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Novas vacinas criam esperança para erradicar a malária

De maneiras inesperadas, os imunizantes também complicam o caminho para acabar com a doença

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Quênia | The New York Times

Durante toda a sua infância, Miriam Abdullah foi levada para dentro e para fora de hospitais, seu corpo magro atormentado pela febre e devastado pela malária. Ela ficava tão doente com tanta frequência que seus tratamentos constantes esgotaram seus pais, que também cuidavam de seus muitos irmãos, tanto financeira quanto emocionalmente.

"Em certo momento, até minha mãe desistiu", lembrou Abdullah, hoje com 35 anos.

Em Nyalenda, a comunidade pobre de Kisumu, no Quênia, onde Abdullah vive, a malária é endêmica e generalizada. Alguns de seus amigos desenvolveram meningite após serem infectados; um morreu. "A malária realmente nos atormentou como país", disse ela.

Simon Peter Ochieng recebe sua segunda de quatro doses de vacina contra a malária no Hospital Lumumba em Kisumu, Quênia, em 8 de dezembro de 2021 - Kang-Chun Cheng/The New York Times

Existem dezenas de milhões de histórias de horror como a de Abdullah, transmitidas de geração em geração. Mas agora a mudança está chegando: a malária é o raro flagelo da saúde global sobre o qual os especialistas estão otimistas –tanto que alguns começaram a falar na erradicação da doença.

"Acho que há muito espaço para otimismo", disse Philip Welkhoff, diretor de programas de malária da Fundação Bill e Melinda Gates. "No final desta década, poderíamos realmente dar um empurrão que nos leve a zero."

China e El Salvador foram certificados como livres de malária no ano passado, e os seis países da região do Grande Mekong, incluindo Vietnã e Tailândia, reduziram os casos em cerca de 90%. Espera-se que 25 países tenham eliminado a malária até 2025.

A maior parte das infecções ocorre hoje na África. Mesmo lá, apesar das limitações impostas pela pandemia de coronavírus, quase 12 milhões de crianças africanas a mais receberam medicamentos preventivos contra a malária em 2020, em comparação com 2019.

Mas é a chegada de duas novas vacinas que pressagiam uma grande mudança. A primeira, chamada Mosquirix, levou 35 anos para ser feita. Foi aprovada pela Organização Mundial da Saúde no ano passado e já poderá ser distribuída no final do próximo ano.

Uma vacina contra a malária mais poderosa, desenvolvida pela equipe de Oxford que criou a vacina da AstraZeneca para Covid-19, pode demorar um ou dois anos. Muitos especialistas acreditam que essa formulação, que demonstrou eficácia de até 80% em ensaios clínicos, poderá transformar o combate à malária.

Miriam Abdullah em casa em Nyalenda, uma comunidade pobre em Kisumu. Alguns de seus amigos desenvolveram meningite após serem infectados com malária; um morreu. “A malária realmente nos atormentou como país”, disse ela. - Kang-Chun Cheng/The New York Times

Há mais opções no horizonte, incluindo uma vacina de mRNA que está sendo desenvolvida pela empresa alemã BioNTech; anticorpos monoclonais que podem prevenir a malária por seis meses ou mais; mosquiteiros revestidos com inseticidas de longa duração ou com produtos químicos que paralisam os mosquitos; bem como novas formas de capturar e matar mosquitos.

"É um momento emocionante", disse a doutora Rose Jalang'o, que liderou um teste piloto da vacina Mosquirix no Quênia, onde foi administrada a crianças juntamente com outras imunizações.

Mas chegar a um mundo livre de malária exigirá mais do que ferramentas promissoras. Em muitos países africanos, a distribuição de vacinas, medicamentos e mosquiteiros exige a superação de inúmeros desafios, que incluem terreno acidentado, outras prioridades médicas urgentes e desinformação.

Embora o financiamento para programas de malária seja mais generoso do que para muitas outras doenças que afligem as nações mais pobres, os recursos ainda são limitados. O dinheiro dedicado a uma abordagem geralmente leva os financiadores a negligenciar outras, alimentando a concorrência e às vezes o rancor.

A Mosquirix custou mais de US$ 200 milhões para ser desenvolvida em mais de 30 anos, mas sua eficácia é aproximadamente a metade da vacina da Oxford, chamada R21. As primeiras doses de Mosquirix não serão entregues a crianças africanas até o final de 2023 ou início de 2024. O fornecimento será severamente limitado por várias razões, e se prevê que permaneça assim durante anos.

R21, a segunda vacina, parece ser mais potente, mais barata e mais fácil de fabricar. E o Serum Institute da Índia está preparado para produzir mais de 200 milhões de doses de R21 por ano.

Alguns especialistas em malária observam que, dada a necessidade urgente, o mundo precisa de todas as opções possíveis. Mas outros temem que cada dólar direcionado à Mosquirix agora seja um dólar a menos para desenvolver outras ferramentas.

"As medidas existentes de controle da malária já estão subfinanciadas", disse o doutor Javier Guzman, diretor de política de saúde global do Centro para o Desenvolvimento Global em Washington. "Não quero ser negativo, mas uma nova ferramenta sem financiamento adicional significa basicamente sacrifícios e um custo de oportunidade."

'Progride muito rápido'

Um pôr do sol nas margens do rio Wigwa, que atravessa Nyalenda e é um criadouro de mosquitos - Kang-Chun Cheng/The New York Times

A malária é uma das doenças infecciosas mais antigas e mais mortais. Anos de rápido progresso no combate pararam há cerca de uma década, deixando o saldo em 2019 em 229 milhões de novas infecções e 558 mil mortes.

Embora a pandemia de Covid não tenha disparado as infecções por malária, como aconteceu com a tuberculose, a pandemia reverteu uma lenta tendência de queda nas mortes por malária, que subiram para 627 mil em 2020.

Quase todas as vidas perdidas pela malária estão na África subsaariana, onde cerca de 80% das mortes ocorrem em crianças menores de 5 anos.

Muitas estratégias para combater a malária estão antiquadas, mas ainda assim inacessíveis para milhões. Apenas cerca de metade das crianças africanas dormem sob mosquiteiros tratados com inseticida, por exemplo, e menos ainda recebem medicamentos sazonais que previnem a infecção.

A malária agrava as desigualdades sociais. Ela priva as crianças da capacidade de combater outros patógenos, sobrecarrega os sistemas de saúde e devasta comunidades inteiras. Uma pessoa com malária não tratada pode permanecer doente por seis meses, dando aos mosquitos a oportunidade de espalhar o parasita para até cem outras pessoas.

O parasita destrói o corpo tão rapidamente que, quando as crianças são levadas ao hospital, muitas precisam urgentemente de uma transfusão de sangue. Mas o sangue é frequentemente escasso na África subsaariana, e usar uma bolsa para uma criança pequena pode significar que metade ou mais será descartada, disse a doutora Mary Hamel, que lidera o programa de implementação da vacina contra a malária da OMS.

"Você vê uma criança tão pálida e mole respirando tão rapidamente, e ela está apenas deitada no berço –e não há nada que você possa fazer", disse ela.

"É preciso prevenir a malária; ela progride rápido demais", acrescentou.

Uma menina prestes a receber uma dose de vacina contra a malária na Ring Road Clinic, em Nyalenda - Kang-Chun Cheng/The New York Times

A Mosquirix, a primeira vacina contra qualquer parasita, é um triunfo técnico. Mas sua eficácia, em cerca de 40%, é muito menor do que os cientistas esperavam.

Idealmente, a vacina seria implantada junto com os controles existentes, como mosquiteiros tratados com inseticida e medicamentos preventivos, conforme dados que indicam onde as ferramentas são mais necessárias e fornecidas por uma força de trabalho robusta.

"Se você combinar com a ferramenta certa, poderá obter um impacto muito maior", disse o doutor Thomas Breuer, diretor de saúde global da GlaxoSmithKline, que fabrica o Mosquirix.

Mas em muitos países africanos há alta desconfiança em relação às vacinas. Em uma pesquisa, cerca de metade das pessoas no Níger e na República Democrática do Congo disseram que não confiariam em uma vacina contra a malária.

Além disso, a Mosquirix deve ser administrada em quatro doses, a primeira aos 5 meses de idade e a quarta após os 18 meses de idade. Mas poucas outras vacinas são administradas a crianças com mais de 18 meses, e muitos pais na África enfrentam enormes obstáculos logísticos para levar as crianças a uma clínica.

Recursos limitados

Comparados com os bilhões de dólares investidos em vacinas contra a Covid, os fundos para a malária são uma ninharia. A Fundação Gates gasta cerca de US$ 270 milhões por ano no combate à doença, sem contar suas contribuições para o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária.

A escassez de recursos significa que as pessoas –e organizações– acabam escolhendo estratégias favoritas. Alguns defendem que controlar os mosquitos é o caminho lógico, enquanto outros incentivam as vacinas. Outros, ainda, dizem que os anticorpos monoclonais são o caminho a seguir.

Em uma arena tão altamente competitiva, a Mosquirix não surge como a vencedora óbvia.

"Implementar uma ferramenta que é cara, e não tão eficaz, com curta duração de ação, pode não ser o melhor a fazer primeiro", disse o doutor Scott Filler, chefe de programas de malária do Fundo Global, que apoia mais da metade dos programas de malária em todo o mundo.

O dinheiro pode ser melhor gasto aumentando o uso de mosquiteiros ou garantindo que as pessoas tenham acesso a serviços básicos de saúde primária, incluindo testes, tratamento e rastreamento de malária, disse Filler.

Mas outros especialistas acreditam que, dada a devastação da malária, uma vacina com baixa eficácia é melhor que nenhuma.

"Temos esta vacina que foi testada muito extensivamente –mais do que qualquer vacina antes da aprovação", disse Michael Anderson, ex-diretor geral do Departamento de Desenvolvimento Internacional da Reino Unido que agora lidera o MedAccess, um grupo sem fins lucrativos financiado pelo governo britânico.

A R21 custou menos de US$ 100 milhões para ser desenvolvida. Se os reguladores forem tão rápidos e ágeis quanto foram com as vacinas para Covid, ela poderá ser autorizada alguns meses depois que os pesquisadores enviarem os dados definitivos, no fim deste ano.

Para muitos pais na África, uma vacina talvez não chegue a tempo. Em Kisumu, Abdullah está ansiosa para imunizar sua filha de 2 anos, que já teve malária uma vez, contra a doença que arruinou sua própria infância.

"Eu daria a ela imediatamente", disse ela. "Na verdade, faria isso antes mesmo de tomar a vacina da Covid-19."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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