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Pelo menos 36 comunidades ribeirinhas do Amazonas têm água imprópria, indica Fiocruz

Pesquisadores analisam qualidade de água consumida e promovem palestras de educação ambiental

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Rio de Janeiro

A região Norte, que está sobre a maior bacia hidrográfica do mundo, ainda tem acesso restrito à água potável. Um projeto da Fiocruz analisou a água em cerca de 36 comunidades ribeirinhas do Amazonas que não tinham um sistema de tratamento e, em todas, ela estava imprópria para consumo.

Os pesquisadores constataram que, nos poços, rios e vasilhas usados para armazenar água, havia presença de coliformes fecais e de minérios, como ferro. Com base nesses resultados, as prefeituras podem avaliar a implementação de novos sistemas de tratamento hídrico.

imagem mostra pesquisadora em um barco, com luva azul, coletando amostra em rio de águas escuras
Pesquisadores coletam amostras em rio no estado do Amazonas para avaliar a qualidade da água - Divulgação/FioCruz Amazônia

O Norte tem a menor taxa de acesso à água tratada do país. A cifra é de apenas 60%, abaixo da nacional, de 84,2%, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento compilados pelo Instituto Trata Brasil.

As taxas de saneamento na região também são baixas. No estado do Amazonas, 85% da população não tem coleta de esgoto. Em nível nacional, a média é 44%.

Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, diz que, mesmo em comunidades vulneráveis, deve haver um tratamento para atender os padrões de qualidade da água exigidos pelo Ministério da Saúde.

"Muitas vezes, acaba se tornando normal pensar que as crianças sempre tiveram dor de barriga. Mas não é normal. Existe a possibilidade de tratamento mesmo para uma comunidade pequena."

Segundo os especialistas, um dos fatores que mais afetam a qualidade da água usada pelos ribeirinhos é a criação de animais. Os rios são contaminados por matéria orgânica do gado e de outros bichos que transitam pelo lugar.

Mesmo quando as comunidades usam poços, é comum que falte manutenção e a adoção de cuidados apropriados. Algumas prefeituras disponibilizam o hipoclorito, usado para desinfecção, mas nem sempre os moradores sabem como aplicá-lo.

"Eles não tinham muita saída. Nosso trabalho foi para tentar ajudá-los a tomar a água, mesmo sem um sistema de tratamento", declara Luciete Almeida, que coordena o projeto na Fiocruz.

A Funasa (Fundação Nacional de Saúde), extinta no início do ano, era uma das responsáveis por promover o acesso à água tratada para comunidades vulneráveis. A fundação instalava nos territórios desses grupos o Salta Z, um dispositivo que transforma água bruta em potável.

"Ele retira componentes físicos e químicos com muita precisão, principalmente dos coliformes, que são os que mais incomodam a população ribeirinha", afirma José Moura, técnico em saneamento básico da fundação.

A fundação continua fazendo o monitoramento e a manutenção dos Salta Z, segundo Moura, mas a instalação de novos dispositivos está em pausa. Hoje, há ONGs que implantam o sistema em algumas comunidades. Após decisão do Congresso em junho, a Funasa deve ser retomada sob nova formulação.

Um acordo de cooperação assinado pelas duas instituições fez com que a Fiocruz passasse a analisar a água tratada pelo dispositivo, para verificar o funcionamento.

A equipe da entidade conseguiu novos recursos para o projeto por meio de um edital da Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa da Amazônia). Com isso, os pesquisadores ampliaram as análises, verificando também rios e poços.

O projeto foi a 12 cidades no Amazonas, incluindo Parintins, Borba e Barreirinha. Em nove municípios, os pesquisadores visitaram comunidades com e sem um sistema de tratamento.

A visita às comunidades sem Salta Z foi um pedido das prefeituras, segundo Luciete Almeida. A gestão municipal selecionou locais com alta incidência de diarreia, desidratação e outras doenças que poderiam ter origem hídrica.

Uma das cidades atendidas pelo projeto foi Silves, a cerca de 200 quilômetros de Manaus. O município, banhado pelos rios Amazonas e Urubu e pelo lago Camaçari, tem quase metade da população morando na zona rural, de acordo com Juciê Neves, coordenador de vigilância em saúde da cidade.

Apesar da ampla disponibilidade de água doce, só 2 das cerca de 40 comunidades ribeirinhas têm um sistema de tratamento.

Neves diz que as doenças aumentam durante as secas, como ocorre agora, e nas cheias. As secas aumentam a concentração de sedimentos contaminados, já que os rios ficam enlameados. O coordenador afirma que, nesses períodos, os ribeirinhos andam quilômetros para chegar aos poços onde a água está disponível.

Já nas cheias, o rio atinge as casas das comunidades, engolindo fossas e espaços onde moradores jogam dejetos, o que eleva a contaminação.

Segundo Neves, a Fiocruz visitou nove populações ribeirinhas em Silves sem sistema de tratamento. "O trabalho deles foi fundamental, porque contribuiu para algo que já tínhamos ciência, mas não conseguíamos comprovar", declara.

Os resultados serão usados pela prefeitura para solicitar a instalação dos Salta Z em mais locais, segundo o coordenador. Ele diz que o objetivo a longo prazo é implementar o tratamento em todas as comunidades.

A Fiocruz ofereceu um curso para que profissionais de laboratório aprendessem a fazer a análise microbiológica, para avaliar se a água está potável. Já os agentes de saúde das comunidades aprenderam a verificar a qualidade da água a partir do aspecto, do odor e da aparência.

Os ribeirinhos assistiram a palestras sobre tratamento da água. Parte da população resistia em beber a água tratada por já estarem acostumados a usar a do rio, de acordo com Luciete Almeida.

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