Quatro anos depois, cientistas ainda tentam desvendar mistérios da Covid

Pessoas 'superimunes' são reais? A Covid é sazonal? E o que está por trás dos sintomas incomuns? Veja essas e outras perguntas

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Knvul Sheikh
The New York Times

Quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a Covid-19 uma pandemia global em março de 2020, quase tudo sobre o novo coronavírus era uma questão em aberto: Como estava se espalhando tão rapidamente? Quão doentes as pessoas ficariam? Uma única infecção garantiria proteção contra casos futuros?

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Fila de carros para realizar exame de Covid em um drive-thru na cidade de Cascade, Idaho, nos Estados Unidos - Michael Hanson - 21.nov.22/The New York Times

Nos quatro anos desde então, os cientistas desvendaram alguns dos maiores mistérios sobre a Covid. Agora sabemos muito mais sobre como ela se espalha (não, ficar a 2 metros de distância não é proteção infalível), por que não parece deixar as crianças tão doentes quanto os adultos e o que está por trás dos sintomas estranhos que pode causar, desde confusão mental até "dedo da Covid". Aqui está o que aprendemos.

Por que as experiências das pessoas com a Covid variam tanto? E pessoas "super imunes" (que nunca tiveram a doença) existem?
Neste ponto, a maioria dos americanos teve Covid pelo menos uma vez. Enquanto a maioria dos infectados teve sintomas semelhantes aos da gripe, alguns foram hospitalizados com problemas respiratórios graves e outros não tiveram sintomas.

Parte disso pode ser explicado pela quantidade de vírus à qual estamos expostos, mas nossos corpos também desempenham um grande papel. Pessoas mais velhas ou com problemas de saúde pré-existentes tendem a ter sintomas mais graves porque seus sistemas imunológicos já estão enfraquecidos.

Em alguns casos, o corpo pode combater o vírus antes que ele se replique o suficiente para causar sintomas, ou eliminá-lo tão rapidamente que a pessoa nunca testa positivo. Há também fortes evidências de que a vacinação torna a doença menos grave.

Os especialistas disseram que, muito provavelmente, as pessoas que nunca foram infectadas estão totalmente vacinadas, são muito cautelosas em evitar exposições (usando máscaras e evitando multidões) ou trabalham em casa.

Os cientistas têm tentado investigar se há algo biologicamente único nos "superimunes" da Covid que lhes confere imunidade à infecção. Mas o mais próximo que chegaram é descobrir que mutações no antígeno leucocitário humano —que sinaliza ao sistema imunológico que as células estão infectadas— podem ajudar a eliminar o vírus tão rapidamente que uma pessoa pode ser completamente assintomática.

A propagação da covid se resume a tosses e espirros?
Nos primeiros dias da pandemia, todos pensávamos que a Covid era uma espécie de ninja que saltava de superfície em superfície. Nós limpávamos freneticamente os mantimentos, lavávamos as mãos ao som de "Parabéns pra Você" e tentávamos girar maçanetas com os cotovelos.

Mas estudos mostraram desde então que as superfícies contaminadas raramente são as culpadas pela propagação do vírus. É mais provável que se espalhe pelo ar que respiramos. Algumas dessas transmissões podem ser através de grandes gotículas produzidas quando alguém tosse ou espirra, razão pela qual autoridades de saúde pública aconselharam no início da pandemia que nos mantivéssemos a seis pés de distância de outros humanos.

Mas pesquisas sugeriram então que o vírus também poderia ser transportado por aerossóis, partículas menores que poderiam infectar pessoas a uma distância maior. "Essas partículas se comportam um pouco como fumaça de cigarro —elas saem e flutuam no ar, e podem se deslocar no ar por um tempo", disse Linsey Marr, engenheira ambiental da Virginia Tech. Marr e outros descobriram que partículas pequenas, tão pequenas quanto cinco mícrons, podem transportar mais vírus infeccioso do que gotículas maiores, em parte porque são geradas de regiões mais profundas dos pulmões.

Outros estudos mostraram que o vírus está evoluindo para se tornar mais eficaz na propagação pelo ar, disse Vincent Munster, chefe da seção de ecologia viral dos Laboratórios Rocky Mountain do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas.

Quanto tempo duram nossas defesas?
Em termos gerais, uma infecção ou vacinação protege por vários meses, disse Akiko Iwasaki, virologista e imunologista da Universidade de Yale. Mas a imunidade depende de fatores como idade, saúde subjacente e se o vírus adquiriu mutações que o ajudam a evadir nossas defesas.

Existem muitos componentes de proteção imunológica, incluindo anticorpos que circulam no sangue e ajudam a detectar e neutralizar o vírus, células B que produzem mais anticorpos conforme necessário e células T que podem aprender a reconhecer e prever variações da proteína Spike (ou espícula, o gancho molecular usado para entrare nas células) do vírus.

Os especialistas acreditam que níveis mais altos de anticorpos estão correlacionados com uma melhor proteção. Mas alguns estudos indicaram que os níveis de anticorpos caem significativamente após três meses de uma infecção ou vacinação. E tem sido desafiador determinar exatamente quantos anticorpos são necessários para fornecer proteção básica, "à medida que novas variantes continuam surgindo", disse Iwasaki.

As células T fornecem uma forma diferente de proteção - reduzindo a gravidade dos sintomas em vez de bloquear a infecção —e pesquisas agora sugerem que essa imunidade pode durar um ano ou mais.

O que está por trás dos sintomas estranhos?
Embora uma resposta imune robusta seja necessária para eliminar o vírus, uma disfuncional pode ser a culpada por muitos dos efeitos colaterais incomuns da Covid. Por exemplo, pesquisadores descobriram que em pessoas que desenvolvem um sentido distorcido do olfato ou o perdem completamente, o vírus se agarra aos receptores ACE2 em células que suportam certos nervos no nariz. Isso desencadeia uma corrida de células imunes, que liberam proteínas para limpar a infecção. No processo, elas podem inadvertidamente alterar a atividade genética de nervos vizinhos, perturbando o sentido do olfato.

Como o nariz atua como um ponto de entrada para o cérebro e outras partes do sistema nervoso central, essa resposta imune excessivamente agressiva e a subsequente inflamação também poderiam ser a chave para entender outros efeitos neurológicos persistentes da Covid, como confusão mental, dores de cabeça, zumbido nos ouvidos, formigamento ou dormência nos membros e até mesmo depressão, disse Maria Elena Ruiz, especialista em doenças infecciosas da Universidade George Washington.

O inchaço doloroso ou a descoloração que algumas pessoas desenvolvem nos dedos das mãos ou dos pés permanece mais misterioso. Mas os relatos desses sintomas também se tornaram menos frequentes, e é possível que infecções passadas ou a vacinação tenham tornado menos provável que os sistemas imunológicos das pessoas saiam do controle, disse Ruiz.

Existe alguma espécie de pausa sazonal da Covid?
Quando a Covid começou a se espalhar no inverno de 2020, muitas pessoas esperavam que os meses de verão (pelo menos em algumas partes do mundo) trouxessem um alívio.

É verdade que há naturalmente mais oportunidades para a transmissão por aerossóis da Covid nos meses mais frios, quando as pessoas passam mais tempo em ambientes fechados. Os edifícios também ficam mais fechados no inverno, levando a uma ventilação pior e potencialmente níveis mais altos de patógenos no ar. E alguns estudos sugerem que o vírus também permanece infeccioso por mais tempo, e as partículas que o carregam conseguem permanecer no ar por um período maior quando a umidade relativa é baixa.

Mas a Covid não parece ser inerentemente sazonal —"claramente tivemos picos no verão também", disse Marr.

Mas os especialistas concordaram que não ficariam surpresos se a Covid eventualmente se estabelecesse em um padrão sazonal previsível, como outros vírus respiratórios. Apenas é difícil prever se isso levará mais alguns anos ou até décadas, disse Munster.

As crianças têm uma arma secreta que as protege contra a covid?
No início da pandemia, as pessoas temiam que as crianças, conhecidas por espalhar germes, pudessem pegar e espalhar o vírus facilmente. Também se preocupavam que as crianças adoecessem particularmente, porque tendem a ter alguns dos desfechos mais graves com influenza e VSR (vírus sincicial respiratório).

Mas com a Covid, as crianças parecem ter sido poupadas de doenças graves. Apenas um pequeno número é hospitalizado ou desenvolve condições potencialmente fatais como a síndrome inflamatória multissistêmica, ou SIM-P.

Agora temos uma ideia mais clara do porquê disso: Os sistemas imunológicos das crianças podem estar melhor preparados contra a Covid precisamente porque são frequentemente expostos aos coronavírus benignos que causam resfriados comuns, disse Alpana Waghmare, especialista em doenças infecciosas no Hospital Infantil de Seattle. Além disso, estudos mostraram que outro mecanismo de defesa, conhecido como resposta imune inata, é mais forte em crianças, ajudando a alertar seus corpos para patógenos estrangeiros como o vírus que causa a Covid.

Como o vírus causa estragos em uma pessoa por meses?
Uma teoria é que, assim como com outros efeitos colaterais raros, os sintomas persistentes ou novas complicações que podem ocorrer nos meses após uma infecção inicial - conhecidos como Covid longa - são causados em parte por uma reação imune descontrolada. Pessoas que desenvolvem Covid longa podem ter um sistema imunológico que responde de forma muito agressiva, ou não agressiva o suficiente, à infecção aguda, disse Ziyad Al-Aly, chefe de pesquisa e desenvolvimento do Sistema de Saúde de Veteranos de St. Louis.

Estudos também descobriram que o vírus pode se esconder no corpo após o fim da infecção principal, provocando uma resposta imune e inflamação contínuas em níveis baixos.

Outras evidências sugerem que o vírus pode danificar o revestimento dos vasos sanguíneos, causando pequenos coágulos que bloqueiam a circulação em várias partes do corpo. Isso pode causar dores persistentes nas articulações, confusão mental, fadiga crônica e tontura ao levantar-se muito rapidamente.

O médico Al-Aly disse que, embora muitos dos mistérios da Covid tenham sido resolvidos, ele teme que o público tenha se cansado do vírus —quando, na realidade, ele disse, "ainda não está no nosso retrovisor".

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