Descrição de chapéu Financial Times Futebol Internacional

A lógica por trás do mercado bilionário de contratações no Inglês

Premier League teve mais de 1 bilhão de libras gasto com reforços

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Murad Ahmed
Londres | Financial Times

Quando o Manchester United fechou acordo para contratar Harry Maguire, do Leicester City, por 80 milhões de libras (aproximadamente 382,14 milhões de reais), no começo de agosto, muitos torcedores e comentaristas de futebol torceram o nariz diante do preço enorme —um recorde para a contratação de um defensor.

A contratação foi o sinal de partida para os últimos e frenéticos dias de transações entre os clubes da Premier League da Inglaterra, antes que a janela de transferência de começo de temporada —o período de três meses em que os clubes estão autorizados a adquirir jogadores— se fechasse no dia 8, um dia antes da abertura da temporada, na sexta-feira (9).

 

Os gastos totais dos 20 clubes que formam a liga mais rica do planeta chegaram a 1,41 bilhão de libras (6,74 bilhões de reais) nas 12 semanas da janela, ficando pouco abaixo do recorde de 1,43 bilhão de libras (6,83 bilhões de reais) estabelecido em 2017, de acordo com a consultoria Deloitte. É a quarta janela de transferências consecutiva em que os clubes da Premier League gastam um total combinado de mais de 1 bilhão de libras (4,78 bilhões de reais) em contratações. Mais de metade dos clubes estabeleceram novos recordes para os valores de contratação de jogadores individuais.

A disposição de investir era evidente em toda a liga: o campeão da temporada passada, Manchester City, e o Aston Villa, que acaba de subir da divisão inferior, gastaram mais de 100 milhões de libras (478 milhões de reais) cada.

"Onde quer que você olhe na Premier League, há bons motivos para que os times invistam", disse Dan Jones, sócio na área de negócios esportivos da consultoria Deloitte. "Quer seja para ficar na Premier League, quer para conseguir vaga nos torneios europeus, quer para vencer o título, sempre existe razão para continuar investindo."

Embora os gastos possam parecer insensatos, uma análise das contratações aponta que as estratégias dos clubes são mais racionais do que parecem à primeira vista.

Os clubes obtiveram receita recorde na temporada passada, com o aumento no valor das cotas de televisão, o que garantiu que os clubes ingleses tenham mais dinheiro que nunca para repor as peças de seus elencos.

O valor dos direitos de transmissão televisiva da Premier League no Reino Unido caiu, mas houve forte crescimento no valor dos direitos internacionais, o que significa que a receita televisiva geral será de 9,2 bilhões de libras (43,95 bilhões de reais) nos próximos três anos —um aumento de cerca de 1,2 bilhão de libras (5,73 bilhões de reais).

 
O zagueiro Harry Maguire, que atua pelo Manchester United. Ele foi a contratação mais cara entre os times ingleses nesta janela de transferência .
Harry Maguire, contratação mais cara entre os times ingleses nesta janela de transferência - Oli Scarf - 11.ago.2019/AFP

E embora os valores brutos das transferências sejam imensos, os clubes ingleses parecem ter ficado mais espertos na obtenção de bons preços pelos jogadores que estão de saída.

O Manchester United gastou cerca de 145 milhões de libras (692,62 milhões de reais) em contratações na mais recente janela, mas compensou os gastos ao transferir o atacante belga Romelu Lukaku à Inter de Milão por um valor estimado em 80 milhões de libras (382,14 milhões de reais), pouco antes do fechamento da janela.

De acordo com a Deloitte, o valor líquido das transferências da Premier League —aquisições menos vendas— representou 12% da receita geral da liga, ou 625 milhões de libras (2,99 bilhões de reais), uma ligeira queda ante o ano passado. Foi o menor gasto líquido em uma janela de transferência desde 2015.

Embora os clubes estejam economizando dinheiro nas transferências em si, a Deloitte prevê que os salários, a maior despesa para a maioria deles, crescerão em ritmo superior à receita das equipes e responderão por mais de 60% das receitas gerais.

Os gastos relativamente sóbrios com transferências pelos clubes da Premier League podem ser explicados por fatores regulatórios, como as chamadas regras de fair play financeiro, projetadas para impedir os clubes de gastarem acima de seus meios.

Além disso, um clube que tradicionalmente gasta muito, o Chelsea, está sujeito a uma suspensão de contratações por um ano, imposta pela Fifa, a organização que comanda o futebol mundial, por passadas violações das regras de transferência. Com isso, o clube de Londres não poderá assinar contratos com jogadores novos nesta temporada.

Mas ainda existe um mercado vibrante do futebol, já que os clubes têm incentivos para continuar reforçando suas equipes, em lugar de segurar dinheiro e extrair lucros mais altos.

O Manchester United teve gastos líquidos superiores a 600 milhões de libras (2,87 bilhões de reais), nas seis últimas temporadas. Embora o clube possa arcar confortavelmente com o custo porque tem a terceira maior receita entre os clubes internacionais e a mais alta da Premier League, ele vem enfrentando dificuldades para traduzir esse domínio financeiro em desempenho no gramado, tendo fechado a mais recente temporada na humilde sexta posição, e ficando sem vaga na Champions League.

Gasto dos clubes ingleses nesta janela de transferência

  1. Arsenal

    155 milhões de libras (740,39 milhões de reais)

  2. Manchester United

    144,70 milhões de libras (691,47 milhões de reais)

  3. Manchester City

    138,4 milhões de libras (661,36 milhões de reais)

  4. Aston Villa

    125 milhões de libras (597,33 milhões de reais)

  5. Everton

    110 milhões de libras (525,65 milhões de reais)

  6. Leicester

    96 milhões de libras (458,75 milhões de reais)

  7. Tottenham

    90,7 milhões de libras (433,42 milhões de reais)

  8. Wolverhampton

    80 milhões de libras (382,29 milhões de reais)

  9. West Ham

    72,7 milhões de libras (347,41 milhões de reais)

  10. Brighton

    62,50 milhões de libras (298,66 milhões de reais)

  11. Newcastle

    61,5 milhões de libras (293,89 milhões de reais)

  12. Bournemouth

    55,00 milhões de libras (262,82 milhões de reais)

  13. Southampton

    47 milhões de libras (224,60 milhões de reais)

  14. Sheffield

    44,50 milhões de libras (212,65 milhões de reais)

  15. Chelsea

    40,2 milhões de libras (192,10 milhões de reais)

  16. Watford

    35,5 milhões de libras (169,64 milhões de reais)

  17. Brunley

    28 milhões de libras (133,80 milhões de reais)

  18. Crystal Palace

    6 milhões de libras (28,67 milhões de reais)

  19. Liverpool

    1,3 milhão de libras (6,21 milhões de reais)

  20. Norwich

    1,1 milhão de libras (5,26 milhões de reais)

Em resposta, o clube adotou uma nova estratégia de transferências, para buscar o retorno à sua posição usual. Omar Chaudhuri, diretor de inteligência futebolística na consultoria de futebol 21st Club, descreveu o plano como "procurar jogadores em ascensão, famintos, dispostos a melhorar". Isso em lugar de buscar adquirir superastros como o francês Paul Pogba, adquirido da Juventus em 2016 pelo valor então recorde de 110 milhões de libras (525,44 milhões de reais na cotação atual).

Ole Gunnar Solskjaer, o treinador do United, disse algumas semanas atrás que o clube pretendia reformular seu time recorrendo a jogadores mais jovens, com o tempo. 

"Temos de ser pacientes, porque o caminho é longo, e é muito importante que escolhamos as peças certas. Não podemos saltar para um caminho diferente quando encontramos um obstáculo", disse.

Essa abordagem reformulada segue a do Liverpool, que nos últimos anos vem tentando identificar os melhores jogadores das equipes em posições mais baixas na classificação da liga, como Andy Robertson, do Hull City, e Georginio Wijnaldum, do Newcastle United.

A estratégia parece estar dando resultado: o Liverpool venceu a Champions League, o campeonato mais prestigioso da Europa, na temporada passada. Em lugar de mexer em um time vitorioso, o clube não fez mudanças em seus titulares, e obteve um lucro líquido de 30 milhões de libras (143,30 milhões de reais) na janela de transferências.

"Nossa janela envolveu estudar as opções, pensar a respeito e tomar decisões", disse o treinador do Liverpool, Jürgen Klopp. "Se nada aconteceu, é porque essa era a escolha certa para nós."

Ao contrário do Liverpool, o Manchester United pareceu disposto a contratar jogadores não muito alardeados, e a pagar caro por eles.

"O United com certeza tentou tirar os melhores jogadores de times menos bem posicionados na liga", disse Chaudhuri. "Harry Maguire era o maior destaque no Leicester. Aaron Wan-Bissaka, [contratado por 49,5 milhões de libras, o equivalente a 236,45 milhões de reais], era o destaque do Crystal Palace. É bem claro que [o time] enfrentou dificuldades na defesa nos últimos 12 meses ou mais. Estão resolvendo seus problemas. Mas eles contrataram jogadores de times menores da Premier League por preços mais baixos que os demais clubes do 'top six' conseguiram".

Mas dispondo de mais dinheiro do que em qualquer momento do passado, os clubes têm recursos para investir pesado de maneira confortável. Houve grandes investimentos da parte de clubes que estão tentando chegar às quatro primeiras posições da Premier League, que oferecem vaga para a Champions League, na qual mais de dois bilhões de libras serão pagos aos times participantes este ano.

O clube que mais gastou foi o Arsenal. Pagou 155 milhões de libras (740,39 milhões de reais) por seis jogadores, em um esforço por rejuvenescer o time depois de diversas temporadas decepcionantes. O clube não se classifica para a Champions League desde 2016. Já equipes com proprietários ambiciosos como o Everton —comandado pelo bilionário anglo-iraniano Farhad Moshiri— e o Wolverhampton Wanderers, controlado pelo grupo chinês Fosun, também gastaram pesado, respectivamente 110 milhões de libras (525,44 milhões de reais) e 80 milhões de libras (382,14 milhões de reais).

Clubes menos bem posicionados também abriram as carteiras. O Aston Villa investiu cerca de 125 milhões de libras (597,09 milhões de reais) em transferências, para tentar reter o lugar que conquistou na Premier League, ao final da temporada passada. 

O clube de Birmingham, cujo controle foi assumido em julho de 2018 pelo bilionário egípcio Nassef Sawiris e por Wes Edens, cofundador do grupo Fortress Investment, terá 170 milhões de libras (812,04 milhões de reais) para gastar em três anos, por ter conquistado vaga na primeira divisão depois de passar três anos fora dela.

Mas novas contratações não são garantia de sucesso: o Fulham gastou mais de 110 milhões de libras (525,44 milhões de reais) em contratações antes do começo da temporada passada mas ainda assim foi rebaixado, depois de passar apenas uma temporada na Premier League.

Investimento pesado por parte de clubes que acabam de subir é um fenômeno recorrente. Os clubes que chegam à Premier League gastaram cerca de 30% de sua receita em contratações, entre 2012 e 2017, ante apenas 19% para os seis maiores clubes, de acordo com o 21st Club.

Enquanto isso, atividades febris de transferência continuam a acontecer nos clubes das outras quatro entre as "cinco grandes" ligas da Europa: Alemanha, Espanha, França e Itália.

Os valores pagos por contratações na principal liga espanhola, La Liga, ultrapassaram a casa do bilhão de libras (4,78 bilhões de reais) pela primeira vez, na atual janela. Três clubes —Real Madrid, Barcelona e Atlético Madri— respondem por dois terços dos gastos. O valor ainda pode crescer porque, diferentemente da Inglaterra, a janela de transferências do continente europeu só se fecha no começo de setembro.

Jones, da Deloitte, disse que os gastos na Espanha se devem em parte ao novo contrato televisivo de três anos assinado por La Liga, em valor de 3,66 bilhões de euros (16,20 bilhões de reais), o que representa aumento de quase 20% ante o contrato anterior, e em parte à determinação dos principais clubes do país de retornar ao topo das competições europeias, dominadas no ano passado pelos clubes da Premier League.

"Os clubes espanhóis tiveram um período excelente na Champions League, mas —sob seus padrões— sofreram um tropeço no ano passado", disse Jones. "Estou certo de que estão ansiosos por voltar ao topo da árvore na Europa, e em disputar entre eles o título nacional."


 
Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.