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Ativista combate desigualdade no Rio com projetos de educação para favelas

Coautora de 'Mulheres que Transformam', lançado nesta sexta (20), Cris dos Prazeres reflete sobre projetos em comunidades

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São Paulo (SP)

Aos 13 anos, Zoraide Gomes partiu sozinha de Pernambuco rumo ao Rio de Janeiro. Era o início da trajetória que a transformaria em Cris dos Prazeres, criadora de diversos iniciativas educacionais na periferia carioca.

Aos 52, ela conta parte de sua história de empreendedora social no livro 'Mulheres que Transformam' (332 páginas, editora Leader), lançado nesta sexta-feira (20), no Conjunto Nacional, em São Paulo.

Mulher negra de cabelos cacheados é fotografada enquanto olha para o céu em área externa. Ao fundo, céu azul e uma montanha
Cris dos Prazeres superou o preconceito racial e o luto pela perda de amigos em uma tragédia ambiental para criar projetos de educação no Morro dos Prazeres (RJ) - Divulgação

"Na vida, você vai fazendo sem olhar muito para o feito, e quando escreve pode sentir a emoção de cada etapa", diz a Cris, que assina a obra com outras 19 lideranças femininas.

Natural de Praia do Janga, a 15 quilômetros de Recife, ela foi morar no Morro dos Prazeres, favela carioca que a batizou com o apelido homônimo.

Ali, a menina negra e pouco escolarizada se encantou pelo público de periferia, população que se tornou foco de seus projetos.

A formação que ela não teve em sala de aula, foi buscar no voluntariado.

Aos 16 já atuava em maternidades, asilos e unidades de atendimento psiquiátrico da comunidade. "Eu queria aprender com quem estava fazendo na ponta", diz.

É um privilégio saber que você está se transformando e impactando a vida de alguém

Cris dos Prazeres

Ativista social

Enquanto se transformava com a prática humanitária, Cris se tornou também mãe. Aos 17, deu à luz a Marina. No ano seguinte, veio Mariana. "Fui mãe de dois bebês ao mesmo tempo. Um baita desafio". Maicon, o terceiro, nasceu quatro anos depois.

Sem dinheiro para creche particular ou plano de saúde para os filhos, ela decidiu que trabalharia ainda mais para melhorar o sistema público para a família e para o morro. "Foi uma chave importante para me tornar quem sou".

Em área externa de favela, mulher negra posa para a foto frente a um muro com grafite que diz "Prazeres" em referência à favela carioca
Completando 30 anos de empreendedorismo social em 2023, Cris dos Prazeres começou no terceiro setor com projeto de educação sexual - Divulgação

Atuando em creches e unidades de saúde, Cris sofreu racismo e viu de perto a desigualdade social.

"As pessoas me viam amamentando o Maicon e perguntavam se eu era babá dele", lembra ela dos episódios em que estava com o filho, que tem pele e olhos claros.

Em 1980, enquanto o país vivia uma epidemia de HIV, percebeu que as campanhas de prevenção não chegavam ao povo da favela. "Era como se pobres e pessoas negras não se infectassem", conta a ativista.

Inconformada, reuniu moradores e criou ações de comunicação sobre os riscos das DSTs e planejamento familiar. "Nós íamos a bailes funk levando a camisinha como símbolo. Fazíamos café da tarde trazendo uma ginecologista. As mulheres saíam com os olhos brilhando."

Em parceria com o Cedaps (Centro de Promoção da Saúde), o projeto ganhou robustez e se tornou o Proa - Prevenção Realizada com Organização e Amor, cujo diferencial é a linguagem acessível à população de periferia.

Ao invés de falar pênis e vagina, a gente falava os palavrões mesmo, que é o jeito que o povo fala na favela

Cris dos Prazeres

Ativista social

A sensibilidade com esse público veio de experiências ruins.

Em 2010, ela viu um deslizamento de terra matar 34 amigos e deixar 355 famílias desabrigadas no Morro dos Prazeres. Ao observar a carência de uma educação ambiental orientada a favelas, ela convocou parceiros —entre eles, Unicef e o MIT— para criar, em 2012, o Reciclação. A iniciativa inclui mapeamento de riscos e manejo de resíduos.

"Começou com cinco catadores e hoje agrega incontáveis pessoas que geram renda com manejo de descartáveis", explica. Parte dos materiais vira novos produtos como bijuterias e roupas.

A educação transforma, diz a ativista. Seu projeto em tecnologia, o Vai na Web, habilita jovens pobres para atuar como programadores. A ideia veio da consultoria 1STI, que viu em Cris a experiência para pilotar a primeira turma no Complexo do Alemão.

Na escola —que também é uma empresa de serviços— os egressos da formação gratuita e intensiva são disputados por bancos e indústrias do Brasil e do exterior.

O cara que bebe de fonte de conhecimento muda a lente de como vê o mundo

Cris dos Prazeres

Ativista social

A fonte da qual Cris bebeu resultou na criação do Instituto Precisa Ser, entidade que agrega todos os seus empreendimentos sociais. O mais novo deles vai ensinar ESD —sigla em inglês para "autodefesa de empoderamento"— para mulheres vítimas de violência.

Em fase de planejamento e captação de recursos, o projeto deve ganhar turma piloto em breve.

Mulher negra posa para foto em área interna, frente a uma parece com uma gravura que diz "Seja Luz"
Vai na Web é projeto de educação na favela que transforma jovens vulnerabilizados em programadores para atuação em grandes empresas - Divulgação

Celebrando 30 anos de empreendedorismo de impacto, Cris se abstém do título de liderança comunitária. "Não lidero nem minha própria casa, que dirá uma comunidade". E critica ações sociais disfarçadas de marketing.

"Isso se intensificou de 2010 para cá e ganhou o desenho de ESG. As ideias são lindas, mas como isso se materializa na prática? Não adianta só fazer para dizer que fez e não gerar impacto".

E provoca: "Até quando vamos ficar nesse discurso? O mundo não é tão difícil, o que falta é interesse genuíno. Sair dos números e olhar para as pessoas."

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