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ONG quer democratizar acesso a orgânicos nas periferias com doação de cestas

Orgânico Solidário já entregou 500 toneladas de frutas e verduras de cultivo agroecológico

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São Paulo

Abobrinha, beterraba, repolho roxo, avocado, alface crespa, tomate italiano… Separados em porções dentro de redinhas de feira, os legumes e verduras têm ótima aparência e tamanho menor do que o convencional, um sinal de que foram cultivados sem agrotóxicos.

Se estivessem nas prateleiras de um hortifruti em algum bairro nobre, esses vegetais provavelmente custariam caro. Nessa feira, porém, é tudo de graça.

São nove variedades de alimentos frescos que vão para a mesa de 50 idosas que moram no extremo leste de São Paulo. Numa manhã de sexta-feira, elas saem de um centro comunitário do bairro União de Vila Nova com as sacolas carregadas.

Uma das primeiras a chegar, Josefa Orindina da Silva, 70, já planejava o que faria com os 6 quilos de verduras e legumes de sua cesta. "Vou bater um suco de beterraba e de cenoura e cozinhar os outros legumes. E, como moro sozinha, consigo dividir uma parte com minha nora e minha filha. Isso aqui veio numa hora boa", diz.

Josefa e as outras "clientes" daquela feira solidária são atendidas pelo Colo de Vó, um projeto do Instituto NUA (Nova União da Arte) voltado para idosas em situação de vulnerabilidade social. Muitas delas vivem sozinhas; outras ajudam a criar os netos. Ali, podem participar de atividades como aulas de artesanato, dança e ginástica.

Cerca de uma vez por mês, elas também têm acesso às cestas doadas pelo Orgânico Solidário, uma iniciativa sem fins lucrativos que leva alimentos frescos para famílias de baixa renda. Criada há três anos, a plataforma arrecada doações de empresas e pessoas físicas e monta caixas com frutas, verduras e legumes comprados de agricultores orgânicos e agroecológicos (saiba como doar aqui).

A ideia é complementar a dieta de famílias afetadas pela insegurança alimentar, composta por alimentos secos da cesta básica e de ultraprocessados, com opções "frescas, variadas, coloridas e nutritivas", afirma Aziz Constantino, um dos idealizadores do projeto, que surgiu em março de 2020.

"Quando começou a pandemia, muita gente olhou para a questão da saúde. Nós olhamos para a fome. Porque se faltar comida no prato, qualquer outra vertical se perde", diz.

Distribuição de frutas e verduras no Instituto NUA, na União Vila Nova, pelo projeto Orgânico Solidário - Bruno Santos/Folhapress

Segundo pesquisas da Associação de Promoção dos Orgânicos, a porcentagem de brasileiros que declaram ter consumido algum alimento desse tipo nos últimos 30 dias subiu de 19% em 2019 para 31% em 2023.

A proporção, porém, é bem maior entre aqueles pertencentes à classe A (41%) do que entre os de classes D e E (21%). Além disso, 67% disseram que consideram os alimentos orgânicos caros ou muito caros.

Desde sua criação, o Orgânico Solidário realizou 100 mil entregas de 500 toneladas de comida em sete estados e no Distrito Federal. As doações são direcionadas a organizações sociais parceiras.

Na outra ponta, foram gerados R$ 3,5 milhões de renda para 150 produtores rurais. Cada doação de R$ 60 patrocina uma caixa com 6 kg de alimentos.

No mês passado, o projeto venceu o Prêmio Pacto contra a Fome, organizado pela coalizão de mesmo nome junto com agências da ONU.

O Instituto Nua alterna a distribuição das cestas entre o projeto Colo de Vó e outro que atende crianças.

"É um privilégio, né? Porque é um alimento de qualidade", afirma o fundador da ONG, Hermes de Sousa, 59. "Essa comunidade já foi a segunda mais violenta de São Paulo. Hoje, temos muita paz e solidariedade aqui."

Sousa criou o Nua em 2000, onde antes funcionava um lixão clandestino. Recém-libertado da prisão após cumprir dez anos de pena, ele começou ensinando crianças e jovens a fazer esculturas entalhando madeira.

"O que me inspirou a trabalhar aqui foi ver uma mãe pegar mortadela em uma bandejinha de isopor. A parte cor-de-rosa ela colocava na boca do filho; a parte azul, jogava para as moscas", descreve Sousa.

Ele conhece o que está dizendo não só na teoria. "Sou de uma região muito seca no Ceará. Já passei fome. E quem já passou fome sabe como é desesperador."

Com o tempo, o lixão foi desativado e em seu lugar surgiram diferentes projetos, de uma "escola debaixo da ponte" a uma equipe de comunicação comunitária.

Da xepa aos orgânicos

A União de Vila Nova fica no distrito da Vila Jacuí, que tem um dos piores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de São Paulo. A pandemia reduziu a renda de muitas famílias, que caíram no grupo de 58,7% da população brasileira com algum índice de insegurança alimentar.

"É raro a gente ir no mercado. Está tudo caro, né? Uma dúzia de bananas sai por R$ 8, R$ 10. O limão também subiu, está caríssimo", diz Carla do Nascimento, 54, uma das beneficiárias do Colo de Vó.

Ela e o irmão moram com a mãe e, como ficaram desempregados, vivem da aposentadoria dela e de bicos. Sem dinheiro para comprar carne, acostumaram-se a comer arroz, feijão e verduras. "Não dá para ficar comprando ovo, salsicha. De vez em quando, compro um frango a passarinho. Carne vermelha, nem pensar", diz Carla.

O jeito de trazer variedade às refeições é ir à feira na hora da xepa. "De manhã não dá para comprar. A gente costuma ir depois das 14h, porque abaixa o preço das coisas."

Ela precisa fazer render a cesta de orgânicos, que muitas vezes é dividida com as irmãs e os sobrinhos.

Segundo Hermes de Sousa, todo dia alguém bate na porta do instituto pedindo ajuda. "A gente fica com essa dor no coração de não poder ajudar todo mundo."

Ele afirma que o acesso aos alimentos agroecológicos vem inspirando os moradores a cultivarem seus próprios alimentos.

Segundo Aziz Constantino, mais de 60% dos locais atendidos com recorrência desenvolvem suas próprias hortas. "A gente leva para as casas o hábito da alimentação saudável. Não é assistencialismo, é educação."

O NUA também cria hortas, agroflorestas e viveiros em escolas, conta Valter Passarinho, presidente do instituto. "Se a criança entender a importância da alimentação saudável, ela vai cultivar esse hábito pelo resto da vida."

A causa 'Fome de quê? Soluções que inspiram' conta com o apoio da VR e da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.

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