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Há
cerca de vinte anos, todo discurso contra o poder militar tinha de
ser cuidadoso. Ninguém dizia o que pensava: que vivíamos numa ditadura,
que os governantes eram usurpadores do poder popular.
Hoje em dia, apesar de o general Alberto Cardoso aparentemente dar
as cartas no que diz respeito a repressão e a autoritarismo _vide
a violência que marcou a comemoração dos 500 anos na Bahia_, a rigidez
militar não inspira mais temores na sociedade civil.
Vejo, entretanto, um mecanismo intimidatório parecido, a tolher a
democracia brasileira.
Não há governante eleito que não tenha medo de sua própria polícia.
Garotinho transigiu com a chamada ''banda podre''. Em São Paulo, o
secretário da segurança, Marco Vinício Petreluzzi, pode bem ser um
varão de Plutarco, mas não consegue dar conta da violência desenfreada
que se verifica cotidianamente.
No fundo, a questão da segurança se confunde com a da governabilidade.
Imagino a seguinte situação.
É eleito um governador puro, limpo, a favor dos direitos humanos,
empenhado em limpar a polícia de sua banda podre.
Muito bem. O que acontece?
A banda podre da polícia pode exercer com facilidade seu poder de
reação. Não são necessários mais de cinquenta homens bem-treinados
para desencadear uma onda de sequestros sem precedentes. Vinte sujeitos
podem explodir a sede do Banco do Brasil.
Uma vez, fui fazer uma reportagem no Senado Federal. Eu estava vestindo
terno e gravata. Entrei no prédio, subi no elevador, sem que ninguém
perguntasse quem eu era. Eu tinha de cobrir uma entrevista de Armínio
Fraga. Na sala onde se dava a entrevista, tudo bem, me revistaram.
Mas antes de topar com a sala da entrevista, circulei impune pelos
gabinetes dos senadores, sem que ninguêm me pedisse um crachá.
Conseguir um crachá, aliás, foi facílimo. Indicaram-me o gabinete
da Imprensa, e minha palavra valeu: declarei-me jornalista, deram-me
o crachá sem que provasse a veracidade do fato, e lá estava eu a vinte
metros de muitos senadores que poderia fuzilar.
Não deixa de ser democrático, de ser republicano. Mas era indiscutível
a subserviência escrava dos funcionários que me atendiam gentilmente,
que me davam crachás. Eu era branco e tinha terno.
Voltando ao assunto. É facílimo, portanto, desestabilizar um governo.
Imagine-se o que se passa pela cabeça de alguns policiais qualificados,
diante das iniciativas democráticas deste ou daquele governador. O
poder não está com o governador, mas sim com os policiais.
Não resta ao governador _a qualquer governador_ senão conciliar-se
com os verdadeiros donos do poder, isto é, os donos das armas, os
donos da favela. Entre um traficante de prestígio e um capitão que
tortura e mata, a escolha é das mais complicadas. Governar, hoje em
dia, significa decidir com que tipo de criminosos há conciliação.
Caso contrário, a desestabilização de um governo é questão de dias,
ou de horas. Depois pensamos que é bom não viver na Colômbia. Estamos
bem perto, acho.
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Fisiológico
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