|
RIO
DE JANEIRO -
Sentou-se à minha frente, no ônibus que nos conduziria ao avião da
Ponte Aérea. Tinha seus 50 anos. Levava uma sacola. O que me impressionou
foi o bolso de sua camisa. O paletó aberto deixava ver tudo o que
ali havia.
Umas cinco ou seis canetas de diferentes feitios e cores. "Para que
tantas canetas diferenciadas?" foi o que pensei. Mas além das canetas,
tinha no mesmo bolso uns cinco caderninhos de agenda, suficientemente
manuseados. Que endereços e telefones o obrigavam a trazer colados
ao coração tantos caderninhos?
E havia mais. Um envelope comprido, que parecia um aviso bancário
ou coisa equivalente. E, naturalmente, o cartão de embarque do vôo
das 17h02m.
O bolso estava estufado, estufadíssimo. Mesmo se quisesse, ele não
poderia fechar o paletó. Olhava-o, fascinado, tentando imaginar quem
seria aquele companheiro de viagem, o que fazia, o que já fizera pela
vida afora.
Olhei seu rosto. Era indecifrável, e estava cansado de um dia difícil.
Usara aquelas canetas todas? Consultara aquelas agendas? Quando chegasse
em casa, o que faria com elas? Deixaria os filhos mexer naquilo tudo?
De repente, tive uma idéia sinistra: se o avião caisse e aquelas canetas
e agendas se misturassem com o meu esqueleto espatifado? Quem sairia
ganhando perdendo ou ganhando?
Acho que sairia perdendo. Em primeiro lugar, pelo esqueleto espatifado.
Em segundo, porque os peritos ficariam confusos diante dos meus ossos,
de cambulhada com tantas canetas e cadernos. Talvez até dificultassem
a identificação dos meus restos e eu assumiria a identidade daquele
homem.
Bem, torci para que o avião não caísse. Pensei que esqueceria o companheiro
de viagem. Vejo que não. Ontem, abri o jornal e vi a foto dele. Chamava-se
Amaro. Era pracista de uma indústria de azulejos. Foi morto pela amante,
que se chama Rosária.
Leia colunas anteriores
18/4/2000 -
O homem e
a roda
|