Depois
de acabar com a hiperinflação (7.500% ao ano), derrotar
com estardalhaço grupos terroristas e adotar com afinco as
chamadas reformas liberais, o até então invencível
Alberto Fujimori capotou no final de semana. O presidente peruano
foi enredado nas disputas internas do poder em Lima.
A crise
política foi detonada a partir de uma denúncia de
compra de votos. Vladimiro Montesinos, o pivô do escândalo,
é apontado como ex-agente da CIA e acusado de tramar um golpe
de Estado nos anos 70. Naquela época, o Peru era governado
por militares de inclinação nacionalista e estatizante.
Expulso
do Exército, Montesinos ressuscitou com Fujimori e comandava
o SNI local. Nos últimos tempos, o governo dos Estados Unidos
o acusava de estar envolvido com o narcotráfico e o comércio
ilegal de armas.
A participação
norte-americana nessa crise não está clara. As eleições
de maio, crivadas de denúncias de fraudes, foram consideradas
inválidas por Clinton, que acabou acatando o resultado que
deu o terceiro mandato a Fujimori. Depois da Colômbia, o Peru
é o país na América do Sul que mais recebe
ajuda direta de Washington (US$ 128 milhões).
O fato
é que os EUA abandonaram o presidente peruano que tão
bem aplicou a doutrina do Consenso de Washington ao Sul do Equador.
Sem perder seu jeito populista, Fujimori promoveu uma forte privatização,
abriu mercados e recebeu elogios nas rodas em Wall Street mesmo
depois do golpe de 92.
Seus
trunfos principais eram a derrubada da inflação e
o desmantelamento dos grupos terroristas. Após dez anos,
esse discurso perdeu força também entre os peruanos.
Não
que os indicadores econômicos nacionais estejam em frangalhos.
Eles são, apenas, medíocres. O país segue crescendo
lentamente (perto de 4% no ano passado), e o déficit nas
contas externas é de 2,7% do PIB (dado de 99) _menor do que
o do Brasil (3,5%).
Acontece
que lá, como em muitos outros países latino-americanos,
a população é que não vai bem. O desemprego
oficial continua alto (perto dos 8%, próximo da percentagem
no Brasil) e 60% dos peruanos vivem de subemprego nas cidades.
A política
assistencialista (distribuição de leite e lotes) dá
sinas de esgotamento e foi incapaz de modificar o quadro estrutural
de pobreza. Sem o apoio vital dos Estados Unidos e envolvido nas
conspirações entre militares e arapongas, Fujimori
aparece ora como vítima de um golpe, ora armando o seu próprio
bote.
O Peru
é um país pequeno se comparado ao Brasil. Seu PIB
está em torno de US$ 100 bilhões _cifra equivalente
ao que os EUA, por exemplo, gastaram para enfrentar o bug do milênio.
Para muitos brasileiros, o vizinho é visto assim, como um
bug, algo menor.
Afinal,
fomos educados a prestar atenção apenas nos países
ricos do Norte. Nossa relação com os herdeiros dos
incas só ocorreu para valer durante a escravidão,
quando traficávamos prata e africanos. Agora talvez seja
a hora de aprendermos também com as experiências do
lado de cá.
Choque
liberal, denúncias de corrupção, crescimento
pífio, desemprego, pobreza. Temos mais em comum com o Peru
do que um remoto passado indígena.
Leia colunas anteriores
14/09/2000 - Percepção de corrupção
cresce no Brasil; miséria não arreda pé
07/09/2000 - Concentração de terras
cresce e violência no campo aumenta
31/08/2000 - Governo passa o risco
do investidor para o consumidor
24/08/2000 - "Código
EJ" é tentativa tardia e fraca para atacar corrupção
17/08/2000
- Presidente não enxerga como controlar
desperdícios públicos
|