Todo dia a alardeada modernização da economia mostra a sua cara arcaica no Brasil. Agora é a vez da energia elétrica. O governo privatizou boa parte do sistema argumentando que não tinha como fazer investimentos e que a competição provocaria queda de preços, beneficiando o consumidor.
E o que acontece? As empresas já admitem, com o aval do governo, que vão repassar para as tarifas _para o consumidor_ os riscos dos investimentos que fizerem. Assim, se houver, por exemplo, uma desvalorização cambial, as perdas da iniciativa privada vão parar no bolso do usuário de energia.
O ministro Rodolpho Tourinho (Minas e Energia) afirma que é preciso afastar o risco cambial das empresas do setor. Se isso não ocorresse, diz ele, elas se assustariam e sairiam do país. E o brasileiro consumidor de energia? Não se assusta?
É a reedição "moderna" do capitalismo sem risco, onde as perdas são socializadas ou estatizadas e os ganhos privatizados. Nada mais arcaico e presente na história brasileira. Basta citar a atuação, sempre ágil, do BNDES em favor de companhias privadas que compraram, com boa ajuda estatal, as empresas do governo.
Vale lembrar que o próprio modelo adotado pela atual administração federal está sendo alvo de severas críticas nos Estados Unidos. Na Califórnia, o sistema de energia elétrica também passa por uma onda de liberalização e privatização. Foram feitas promessas de redução de preços, inovações tecnológicas e maior confiabilidade no fornecimento. Nada disso está está acontecendo. Há problemas de fornecimento e as tarifas subiram 270%.
A experiência deve servir de alerta para o governo brasileiro, sempre tão ansioso em copiar soluções externas. Por aqui, o risco de abastecimento cresce. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo já alertou as empresas: a energia ficará escassa no próximo ano. Recomendou economia e gastos com geradores. Previu alta sensível nas tarifas.
Nesse quadro, a iniciativa privada do setor energético, que manda as contas de luz para as nossas casas, quer uma mãozinha para investir. Duas mãozinhas: uma do consumidor e outra do governo. Sem riscos aparentes.
Afinal, quando isso tudo vai ser privatizado para valer?
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