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17 de novembro |
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Mistura Fina |
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Conhaque
de pitanga
Recife - Ando por Olinda no dia da Proclamação da República.
A cidade está meio vazia. Vejo uma loja colorida. Me aproximo e reparo
no nome: Bazar de Máscaras. Tenho a certeza de que em São Paulo se
chamaria Mask Bazaar, o que quer que isso signifique. O importante
é usar o inglês.
Não sou nenhum Policarpo Quaresma. Nunca fui. Nacionalismo não é comigo.
No entanto, a mania de escrever as coisas mais simples no idioma de
Shakespeare me irrita. Sinto como um sintoma de profunda alienação.
Cada vez que leio um dos "copy center" ou "laundry service" espalhados
pela cidade, creio estar sendo ser roubado do direito de entender
o mundo por intermédio das palavras.
Além do mais, o português parece-me uma língua tão sonora e bonita
que considero um desperdício substituí-lo por vocábulos em inglês.
Pernambuco, ao contrário, de São Paulo parece preservar apreço pelo
Brasil. Encontrei, por exemplo, um exclusivo conhaque de Pitanga no
belíssimo Museu-Casa de Gilberto Freyre (www.fgf.org.br).
São mais de 10 000 metros quadrados de vegetação em torno de uma velha
casa de engenho, que o sociólogo comprou em 1941. A casa está como
ele a deixou. Os móveis de madeira, a cama solta no quarto. Freyre
tinha a superstição de que se dormisse com os pés voltados para a
janela, a morte o chamaria mais rápido.
Devia ter razão. Morreu aos 87 anos e deixou uma obra com mais de
70 livros. Suas teses sobre miscigenação racial são controversas.
Mas ninguém nega a importância da contribuição de Freyre para o pensamento
brasileiro.
O enorme quintal está cheio de jaqueiras, mangueiras, cajueiros, paus-brasil
e pitangueiras, a fruta preferida pelo escritor. Conta a nossa guia,
uma simpática jovem estudante de biologia, que por isso ele inventou
o tal conhaque e, apesar dos pedidos, nunca revelou a fórmula, senão
ao filho, antes de morrer.
Hoje a Fundação Gilberto Freyre continua a produzir a bedida e a vendê-la.
Saí da casa e desci devagar o bairro de Apipucos, enquanto o sol se
punha, a pensar que o nordeste - cheio de problemas graves - ainda
ensinará muito a Brasil.
Para completar o mergulho na realidade setentrional -- para onde vim
com o intuito de acompanhar para a Folha a volta de Roberto
Carlos - viajei a uma das mais tradicionais usinas de açúcar do Brasil,
há 160 km de Recife.
Fundada no final do século passado, Catende foi maior produtora de
cana da América Latina nos anos 50. A ponto de ser sucateada há 7
anos atrás, foi assumida pelos trabalhadores em sistema de autogestão.
Hoje renasce aos poucos.
Escreverei sobre o assunto para a Folha. O que mais me impressionou
foi a miséria do homem do campo. As casas que vi são iguais às que
estão expostas no Museu do Homem do Nordeste (www.fundaj.gov.br)
como exemplo de moradia dos escravos.
Ou seja, a abolição foi decretada e aquela gente ficou por ali, do
mesmo jeito, há cem anos. Agora eles estão tornando-se donos de nada
menos que 26 000 hectares de terra e uma indústria açucareira. Em
regime de autogestão (www.anteag.org.br)!
O único azar que tive em Recife foi cair em um hotel chamado Golden
Beach. O referido estabelecimento encontra-se em frente à praia de
Candeias. Por que não chamá-lo de Hotel Praia de Candeias? Fica aqui
a sugestão ao Grupo francês Accor. E que sirvam aos hóspedes o conhaque
de pitanga Gilberto Freyre. Seria o máximo do refinamento.
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15/11/2000
- Volta apoteótica
10/11/2000 - Está tudo na voz
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