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A saga dos foguetes: como esses veículos nasceram e evoluíram

Eles começaram como armas primitivas e podem terminar permitindo a colonização do espaço pela humanidade

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ilustração de um foguete saindo planeta terra em direção a saturno

como os foguetes nasceram e evoluiram - Silvis

São Paulo

Quando pensamos em foguetes, imaginamos viagens espaciais futuristas e grandes jornadas de exploração, que permitem o lançamento de naves e astronautas pelo espaço afora. Mas a história dessa tecnologia, na verdade, tem mais de mil anos.

O primeiro registro confirmado que temos de um foguete de verdade remonta ao ano 1232, quando os chineses usaram em guerra "flechas voadoras de fogo" —tubos de bambu com um dos lados fechado, presos a setas e preenchidos com pólvora (outra invenção chinesa, por sinal).

Foguete Ariane 6 é lançado no Centro Espacial da Guiana Francesa, em Kourou, na tarde desta terça-feira (9). Enquanto o veículo sobe, uma grande chama aparece embaixo, assim como grande nuvem de fumaça
Foguete Ariane 6 é lançado no Centro Espacial da Guiana Francesa, em Kourou, em julho de 2024 - Reprodução/Agência Espacial Europeia no Youtube

Ao acender um pavio que levava à pólvora, ela pegava fogo explosivamente, ejetando gases que saíam pelo lado aberto do tubo. As flechas então voavam furiosamente na direção do inimigo.

Porém, esse desenvolvimento foi mais ou menos acidental, após muitos experimentos com tubos de bambu e pólvora. Os foguetes não se tornariam muito úteis (salvo pela criação dos fogos de artifício) até muito tempo mais tarde.

O primeiro cientista a entender de fato o princípio de funcionamento desses dispositivos foi o inglês Isaac Newton, no século 17. Ao construir as bases da física moderna, ele formulou as três leis básicas do movimento. A terceira delas ficou conhecida como lei de ação e reação.

É algo que é fácil de percebermos, simplesmente empurrando coisas. Se pegamos um carrinho de brinquedo e o empurramos, ele se desloca. Uma ação de nossa parte produz uma reação da parte dele.

Até aí, sem grande mistério. O mais interessante é que, nesse experimento, não é só a gente que empurra o carrinho; o carrinho também empurra a gente de volta.

Newton determinou que a cada força que fazemos sobre um objeto, ele exerce sobre nós uma força igual, mas de sentido contrário. Não costumamos sentir isso por uma razão muito simples: nós somos muito maiores e mais pesados que o carrinho.

Mas se você der uma trombada, não mais em um carrinho, mas em um caminhão de verdade, descobrirá que é mais fácil você cair para trás do que ele se mexer para a frente –ele é muito mais pesado.

E é justamente por isso que os foguetes são possíveis. Eles basicamente andam para frente cuspindo gases para trás —exatamente como faz uma bexiga cheia, mas sem a ponta amarrada, que soltamos no ar. A bexiga murcha, com o ar saindo para fora, e esse sopro em uma direção a empurra na direção oposta.

Claro, uma coisa é a ideia. Outra coisa é a tecnologia. Desenvolver foguetes cada vez maiores, capazes de impulsionar espaçonaves para além da atmosfera da Terra, levou um bom tempo e só foi acontecer nas primeiras décadas do século 20.

A TEORIA DOS FOGUETES

O sonho de explorar o espaço com esse mecanismo de ação e reação começou a ser concretizado no finzinho do século 19.

Em 1898, um professor russo, Konstantin Tsiolkovsky, escreveu os primeiros trabalhos propondo a ideia de usar foguetes para esse fim.

Em 1903, ele foi o primeiro a formular a famosa equação dos foguetes, que permite calcular o quanto o jato de exaustão precisa empurrar o veículo para que atinja a chamada velocidade de escape, ponto em que, mesmo lutando contra a força da gravidade, ele não retornaria ao chão, entrando em órbita da Terra ou mesmo escapando completamente dela.

Tsiolkovsky foi o primeiro a saber que, para ficar orbitando nosso planeta, era preciso atingir a velocidade de quase 8 km/s (cerca de 28 mil km/h, umas 100 vezes mais que um carro de corrida). Para deixá-lo inteiramente, são precisos 11 km/s, uns 40 mil km/h. São números colossais.

Tsiolkovsky também teve ideias incríveis de como tornar isso realidade, propondo o uso de combustível líquido para realizar a queima capaz de impulsionar o foguete, e sugerindo uma estratégia que seria essencial aos foguetes modernos: o uso de estágios.

Os estágios são como os andares de um foguete. Pense neles, na prática, como um foguete em cima do outro. A ideia é queimar todo o combustível do primeiro andar e, terminado, poder descartá-lo completamente.

Por quê? Para reduzir o peso. Em vez de precisar levar todo o peso do foguete até o espaço, fica muito mais fácil levar apenas a parte de cima, que pode conter o satélite ou a nave que você quer lançar. Sem essa estratégia, fica muito difícil usar a equação dos foguetes para atingir a velocidade necessária.

Tsiolkovsky hoje é considerado o pai da astronáutica —a ciência do voo espacial. Mas, apesar desses resultados incríveis, o trabalho dele ficou por muito tempo desconhecido, obrigando outros inovadores, como o romeno Hermann Oberth e o americano Robert Goddard, chegarem de forma independente às mesmas conclusões.

Desses dois, Goddard foi o que deu as maiores contribuições, passando da teoria à prática. Ele foi o responsável pela criação do primeiro foguete de combustível líquido, que voou em 1926, movido a gasolina e oxigênio líquido. Mas nenhum de seus inventos tinha tamanho suficiente para atingir o espaço.

A VOLTA DO FOGUETE COMO ARMA

Inspirado pelos trabalhos de Oberth e Goddard, o engenheiro alemão Wernher von Braun passou a se entusiasmar por voo espacial com foguetes. Coube a ele liderar o projeto que criaria o V2, primeiro desses veículos capaz a atingir o espaço, ultrapassando os 100 km de altitude.

Só que o projeto dele só avançou porque a Alemanha, então sob o regime nazista, queria uma arma de guerra devastadora. Durante a Segunda Guerra Mundial, os V2 foram usados para bombardear Londres, já no fim da guerra, em 1944. Com o fim do conflito, Von Braun e parte de sua equipe foi levada aos Estados Unidos, enquanto outros especialistas alemães foram para a União Soviética (hoje Rússia).

Desenvolvendo foguetes de vários estágios baseados nas tecnologias do V2, em 1957, a antiga União Soviética (hoje Rússia) lançou o primeiro satélite artificial da Terra –um objeto que, como a Lua, fica dando voltas ao redor do planeta, mas desta vez feito por seres humanos. Os americanos responderam em 1958, usando um foguete projetado por Von Braun para lançar seu primeiro satélite.

A competição entre os dois países no espaço marcou a maior parte da segunda metade do século 20, e os americanos venceram a corrida espacial ao levar astronautas à Lua, em 1969, com o programa Apollo.

O Saturn V, foguete responsável pelo sucesso, também projetado por Von Braun, tinha três estágios e foi o mais poderoso do mundo durante muito tempo, apenas recentemente superado pelo Starship, desenvolvido pela empresa americana SpaceX.

O CUSTO DA EXPLORAÇÃO ESPACIAL

Os foguetes são uma forma eficiente de lançar objetos ao espaço, mas não são baratos. Eles não costumam seguir o esquema de todo e qualquer veículo desenvolvido antes pela humanidade. Isso por causa daquele lance dos estágios. Se, por um lado, eles permitem que se atinja as velocidades incríveis requeridas para o voo espacial, por outro lado, ir descartando os pedaços do foguete significa perdê-los.

Ou melhor, significava. Durante quase todo o tempo, desde o início da era espacial, em 1957, os foguetes foram veículos de um único uso. Imagine quanto custaria para andar de carro ou de avião se tivéssemos que comprar um novo após uma única viagem?

Por isso, ao longo de todos esses anos, a exploração espacial foi conduzida apenas por países, que têm grande quantidade de dinheiro, e muito menos por empresas e pessoas.

As coisas, contudo, estão mudando. Com o avanço dos computadores, alguns projetos de foguete já são feitos para serem reutilizáveis. A primeira tentativa foi com os ônibus espaciais da Nasa, que decolavam como foguetes e pousavam como aviões.

Eles voaram entre 1981 e 2011 e até eram reutilizáveis, mas custava tão caro para fazer a manutenção entre os voos que a vantagem do reúso se tornava pequena.

Em 2015, a coisa da reutilização começaria a ficar séria, quando a empresa SpaceX conseguiu recuperar pela primeira vez o primeiro estágio do seu foguete Falcon 9, usando a reativação dos motores para frear a queda e pousar numa plataforma. Desde então, eles já foram recuperados mais de 300 vezes, o que resultou numa redução significativa do custo dos voos.

Para seu mais novo foguete, o Starship, a companhia espera atingir a capacidade de reutilização dos dois estágios, tornando-o mais parecido com um avião – que pousa, reabastece, passa por rápida checagem e volta a voar – do que com um foguete tradicional. A expectativa é que eles consigam dominar o procedimento para retorno do primeiro estágio até o fim deste ano, e o do segundo, até o fim de 2025.

Outras empresas e agências espaciais também estão concentrando esforços em desenvolver veículos reutilizáveis, o que deve tornar a exploração espacial mais barata e acessível nos próximos anos. E aí os sonhos de Tsiolkovsky e tantos outros, que previram e projetaram a expansão do ser humano para além da Terra, visitando e ocupando outras partes do Sistema Solar, poderão finalmente virar realidade.

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