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Biólogo diz que a Terra pode aguentar entre 1 bilhão e
2 bilhões de pessoas; água, doenças emergentes e aquecimento
global são as novas ameaças
MARCELO LEITE
especial para a Folha
Paul Ehrlich, o homem que assustou o mundo em 1968 com o best seller
A Bomba da População, tem pressa.
A secretária do laboratório de biologia de populações
na Universidade Stanford (Califórnia, EUA) que atendeu o telefone
no último dia 15, além de confirmar o recebimento do fax com
perguntas, avisou que ele iria responder no ato.
22.abr.99/Associated
Press
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Socorro
Estudantes de San Francisco formam um SOS na praia,
na comemoração do "Dia da Terra"; os "oceanos"
na letra O foram feitos com sacos de lixo recolhidos na orla |
Já na linha, Ehrlich, 67, disse que só dispunha de alguns
minutos, porque tinha acabado de voltar de uma cirurgia de coluna (Pode
te matar ou te curar. No meu caso, acho que curou), mas falou por
quase meia hora. Dispensou a leitura das perguntas enviadas, passando a
responder pelo número. Não mede a língua, nem sobre
o Congresso dos EUA: Temos a mais fraca e estúpida legislatura
desde 1875.
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Paul Ehrlich
O biólogo Paul Ehrlich é o titular da
cátedra Bing de Estudos Populacionais da Universidade Stanford, na
qual investiga populações de borboletas há quase 40 anos. Ficou famoso
a partir de 1968, quando publicou “A Bomba da População”, que o transformou
numa espécie de Malthus do século 20. Ele previa no livro que a explosão
populacional provocaria aumento da taxa de mortalidade e fomes em
massa, que matariam no mínimo 10 milhões de pessoas por ano nas décadas
seguintes. Nenhuma das profecias se verificou. |
O biólogo continua alarmado, mas reconhece exageros e erros nas previsões.
Considera todavia estúpido concluir que há segurança
alimentar só porque os preços de grãos caíram
em 1998 (segundo ele, por causa da crise econômica na Ásia)
e a produção vem crescendo nos últimos 50 anos.
Para Ehrlich, o rumo atual da agricultura no mundo é insustentável,
a começar pelo superutilização de recursos hídricos.
Só damos conta de sustentar 6 bilhões de pessoas porque
estamos esgotando nosso capital.
Quando nasci, em 1932, havia 2 bilhões de pessoas. Quando A
Bomba da População foi escrito, em 1968, havia 3,5 bilhões.
Desde que escrevi o livro, mais gente foi acrescentada ao planeta do que
havia quando nasci. Quando as pessoas dizem que a explosão populacional
acabou, não consigo entender.
Folha - Nos anos 60 e 70, obras como seu A Bomba da População
e Os Limites para o Crescimento deram forma ao debate sobre
a explosão populacional. O sentido de emergência causado na
época parece ter perdido ímpeto nos anos 80 e 90. O sr. concorda?
Paul Ehrlich - Um dos problemas é que a queda da taxa de fertilidade,
particularmente nos países ricos, tem sido interpretado pela imprensa
como o fim do problema. As pessoas ainda não se dão conta
de quanto crescimento tem havido e quanto crescimento ainda está
presente no sistema. Não fazem as conexões entre o aumento
de dióxido de carbono e o número de pessoas no planeta, por
exemplo.
Folha - Isso tem algo a ver com o fato de que as estimativas de
taxas de crescimento da população têm sido revisadas
para baixo, por causa das taxas de fertilidade declinantes também
nos países em desenvolvimento?
Ehrlich - Certamente isso está relacionado com o fato de que
a taxa de crescimento tem caído, e acho que isso é um sinal
muito animador, mas de modo algum rápido o bastante. Ainda estamos
nos dirigindo para alguma coisa entre 8 e 10 bilhões de pessoas,
se a taxa continuar caindo.
Folha - Mas o sr. não tem certeza de que continue caindo?
Ehrlich - Ninguém tem. O que nos preocupa, claro, é
a subida da taxa de mortalidade. É o que estamos tentando evitar.
Já tivemos muito disso e ainda vai ficar mais sério em lugares
como a África e a antiga União Soviética. A expectativa
de vida tem caído nesses lugares, por causa da Aids e outras doenças.
O potencial para essas doenças é terrível lá
e, bem, em todo o mundo.
Folha - Ou seja, a taxa de mortalidade pode subir novamente, é
o que o sr. está dizendo?
Ehrlich - Uma das coisas de que as pessoas não têm consciência
é quanto se tem deteriorado o ambiente epidemiológico, e isso
obviamente está relacionado com o tamanho da população.
Quanto mais pessoas houver, mais ajuntamento haverá. Quanto mais
elas se mudarem para habitats marginais, onde podem contrair doenças
antes restritas a outros animais _as febres hemorrágicas no Brasil,
por exemplo, vírus hemorrágicos transmitidos por roedores.
Folha - Como o hantavírus.
Ehrlich - Exatamente.
Folha - Por outro lado, as questões sobre população
e ambiente foram em parte institucionalizadas e encontraram abrigo em muitas
agências nacionais, organismos internacionais e um sem-número
de ONGs. As conferências da ONU proliferaram durante os anos 90. O
sr. considera que essas questões estão sendo consequentemente
abordadas pela comunidade internacional, ou se trata mais de um tipo de
burocratização?
Ehrlich - Essas questões estão institucionalizadas
e isso é bom, mas eu ainda gostaria de que o público em geral
estivesse mais consciente delas, especialmente nos Estados Unidos. Os Estados
Unidos são o país mais superpovoado do mundo, mais de um quarto
de bilhão de pessoas, e nosso consumo por pessoa é tão
alto que o impacto que nós causamos nos sistemas de suporte de vida
do mundo é maior do que o de qualquer outra nação.
O mais sério problema populacional do mundo está nos Estados
Unidos e, apesar disso, não temos uma política governamental
oficial para isso, não é reconhecido pela maioria de nossos
governantes. Provavelmente temos a mais fraca e mais estúpida legislatura
desde 1875, mais de cem anos que não tínhamos tantas pessoas
burras e ignorantes no Congresso.
Não acho que as questões estejam sendo corretamente enfrentadas
pela comunidade internacional, tampouco.
Quando A Bomba da População foi escrito, eu e
outros não sabíamos como baixar a taxa de fertilidade, não
sabíamos se poderia ser feito. Mas agora sabemos, por exemplo, que
educar mulheres, dar-lhes oportunidades de emprego, tornar contraceptivos
disponíveis etc. pode alterar comportamentos dramaticamente. Se tivéssemos
um esforço internacional em torno disso, poderíamos derrubar
a taxa muito mais rápido.
Folha - Fomes causadas pelo crescimento da população
constituíam o grande terror. Nas últimas décadas o
tema ambiente parece ter substituído comida
como fonte principal de preocupação.
Ehrlich - Nós estávamos equivocados sobre a forma que
a fome assumiria. Os agriculturalistas achavam que lugares como a Índia
teriam fome generalizada. O que aconteceu foi que uma parte grande da humanidade
ainda sobrevive com comida insuficiente e tivemos alguma coisa da ordem
de 250 milhões a 300 milhões de pessoas mortas de fome desde
que A Bomba da População foi escrito.
Evitamos fomes gigantescas, mas foi em grande medida porque nos dedicamos
a um sistema agrícola insustentável, que agora está
ameaçado não só por coisas como pragas ressurgentes
e terras irrigadas saindo de produção (por causa de salinização),
mas também pelo espectro da mudança climática global,
que pode arruinar o sistema rapidamente.
Os preços baixos das commodities agrícolas no momento devem
ser atribuídos não tanto ao fato de que todos têm o
suficiente para comer, porque não têm, mas à crise na
demanda dos tigres asiáticos, que têm mais e mais problemas
econômicos. A produção de grãos, por algum tempo,
estava sendo empregada para alimentar animais, para a transição
para o consumo de carne nos países asiáticos, dramática.
Eles estavam importando muito grão, agora não estão
mais, o que derrubou os preços agrícolas. Eu e meus amigos
na economia agrícola pensamos que é estúpido considerar
que estamos seguros em matéria de comida.
Folha - A produção de alimentos tem crescido pelo menos
tão rapidamente quanto a população, tanto que os preços
vêm caindo e a disponibilidade per capita até aumentou um pouco.
Distribuição e acesso, não volume de produção,
são tidos como a causa da fome que grassa em países da África,
por exemplo. O que se pode fazer?
Ehrlich - Antes de mais nada, o que sua questão não
menciona é que, embora a produção de comida tenha crescido
mais rápido que a população nos últimos 50 anos,
isso não tem acontecido na última década. O crescimento
per capita foi se reduzindo até o ponto em que estamos agora marcando
passo, dependendo do ano.
Cultivar comida é a mais importante atividade humana, isoladamente,
mas no entanto a maior parte das pessoas nos Estados Unidos não sabe
de onde vem sua comida. Havia um professor de ciências da computação
na Universidade Stanford, a minha instituição, que pensava
que o leite era manufaturado, feito numa fábrica. Talvez nossos parlamentares
tenham a mesma noção.
Folha - Quem sabe leite de soja...
Ehrlich - Não (ri), antes fosse.
Estamos perdendo aqui nos Estados Unidos, por exemplo, os (insetos) polinizadores
da agricultura. Nosso grupo tem realizado muitos trabalhos sobre como manter
os serviços do ecossistema em áreas degradadas. Um de meus
colegas está tocando um projeto na Costa Rica para quantificar, avaliar
a capacidade de áreas degradadas para manter polinizadores e predadores
naturais, para sustentar um sistema agrícola em produção.
É o tipo de pesquisa que precisamos fazer, muito mais.
Temos de plantar mais comida porque estamos condenados a alimentar mais
pessoas. E a agricultura é provavelmente a mais destrutiva das forças
exercidas sobre o sistema de manutenção da vida.
Há muitas coisas para fazer na agricultura, assim como há
muito para fazer em relação à população.
A questão é: como se faz para obter a vontade social e política
para realizá-las? E dos três fatores que se somam e multiplicam
para causar problemas ambientais _tamanho da população, consumo
per capita e o tipo de tecnologia e de organizações sociais
que sustentam esse consumo_ o mais difícil de enfrentar é
o do excesso de consumo.
Um dos problemas é que o padrão de bem-estar está relacionado
com sua posição relativa a outras pessoas. O que acontece
com a globalização da mídia é que as pessoas
estão comparando sua posição com gente como Bill Gates.
Folha - O sr. considera que a água potável pode tornar-se
o fator limitante para a produção de comida e, portanto, para
o crescimento populacional?
Ehrlich - Escrevi um trabalho sobre água doce como o fator
limitante. Muitos pesquisadores de ciências da Terra acham que aí
é que a coisa vai parar, porque já estamos consumindo mais
ou menos a metade do fluxo disponível, e mais que isso em muitas
regiões.
O problema mais agudo vai depender de termos sorte com o clima. Ninguém
sabe o que vai acontecer. Se tivermos azar, esse pode se tornar o grande
problema. Água é a outra grande incógnita, pois depende
de nossa sagacidade ao usá- la. E, claro, as doenças.
Não há razão alguma para acreditar que Aids vai ser
a última dessas novas doenças. Estamos nos arranjando essa
população enorme, rápidos meios de transportes, abusamos
de antibióticos, espalhando resistência, e não estamos
financiando suficientemente sistemas de saúde pública nos
Estados Unidos e em outros lugares. Tudo está nos encaminhando para
uma má situação. Se tivermos outra gripe equivalente
à de 1918, poderia facilmente matar 1 bilhão de pessoas e
desarticular a sociedade.
Folha - Na sua opinião, portanto, existem ingredientes suficientes
para reviver temores milenares, de fim dos tempos?
Ehrlich - Podem ser revividos, mas ao mesmo tempo temos a capacidade
de reduzir muito dramaticamente as chances de catástrofe. Sou pessimista
sobre o que vamos fazer, mas bem otimista quanto ao que podemos fazer. A
questão é saber como fazer as pessoas darem atenção
a esses problemas, em lugar de Monica Lewinsky.
Folha - O sr. acha que é possível alterar o que se
chama de capacidade de suporte da Terra? É uma grandeza variável
ou fixa?
Ehrlich - Acredito que possa ser mudada, dependendo de como você
se comporta. A capacidade de suporte do planeta seria aumentada se todos
se tornassem predominantemente vegetarianos.
Por outro lado, nossos estudos do que seria um tamanho de população
ótimo, quando se considera não só quantas pessoas você
pode manter, no longo prazo, mas também o tipo de vida que vão
levar, os números ficam em geral entre 1 bilhão e 2 bilhões.
Isso nos daria o bastante para ter grandes cidades ativas, espaço
de manobra contra catástrofes e natureza bastante para quem quiser
se isolar.
O que é claro como água é que estamos além da
marca, além da capacidade de suporte do planeta para pessoas que
se comportem como nos comportamos hoje, usando a tecnologia que usamos.
É fácil de ver isso, porque não conseguimos viver com
nossa renda. Só damos conta de sustentar 6 bilhões de pessoas
porque estamos esgotando nosso capital, não particularmente carvão
e óleo, mas solos ricos para agricultura, água subterrânea,
plantas, animais e microrganismos que sustentam nosso sistema de vida _tudo
isso está desaparecendo rapidamente.
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