São Paulo, Sexta-feira, 2 de Julho de 1999 |
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Cresce distância entre ricos e famintos Projeções indicam que não faltará alimento no futuro, mas fome continuará a existir devido à desigualdade na distribuição JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO da Reportagem Local No relatório sobre o estado mundial da agricultura e da alimentação, de 1997, a FAO constatou que há uma diferença crescente entre os países com alto nível de consumo de alimentos e os com baixo.
Em outras palavras, os ricos estão engordando, e os muito pobres estão cada vez mais famintos. Nos 20 países em pior situação, a média de fornecimento de energia por alimentos caiu de 1.941 kcal/ dia por habitante para 1.853 kcal/dia _na comparação entre o triênios de 1989 a 1991 e de 1993 a 1995. Não por acaso, o PIB per capita desses países (a maioria localizada na África ao sul do Saara) caiu 4,2% entre 1990 e 1994.
Ao mesmo tempo, a população dos 14 países que mais comem viu seu consumo de energia alimentar subir de 3.135 kcal/dia para 3.234 kcal/dia e o PIB per capita (que já era o maior de todos) crescer 2,5%. Mas, na média, tudo vai bem. Dados da FAO mostram que nas últimas três safras mundiais de cereais, a produção foi maior do que o consumo global. Com o excedente, as reservas internacionais cresceram de 14% para 18% do 1,9 bilhão de toneladas de trigo, arroz e outros grãos consumidos por ano no mundo _um nível aceitável. Ampliando-se a análise para todos os tipos de alimentos, a média mundial de comida disponível para o consumo humano direto cresceu 19% nos 35 anos até 1996. Chegou a 2.720 kcal/dia (quilocalorias) por pessoa, superando o mínimo recomendável de 2.200 kcal/dia. Contrariando as visões alarmistas da década de 60, todas as projeções recentes feitas para o futuro indicam que, até onde é possível antever, o ritmo de crescimento da produção de comida dará conta do aumento da população mundial. Em 2025, os fazendeiros do mundo estarão produzindo cerca de 3 bilhões de toneladas de cereais para alimentar uma população de cerca de 8 bilhões de pessoas, prevê Tim Dyson, professor da London School of Economics. Ou seja: não há risco de faltar comida no mundo agora, nem no futuro. Mas há e continuará havendo muita fome no mundo. O relatório de junho da mesma Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação reporta que, entre outros, 1 milhão de pessoas sofre com falta de comida na Somália, outros 4,6 milhões precisam de assistência alimentar na Etiópia. A fome não se limita à África: há cerca de 180 mil pessoas precisando de ajuda por causa da seca na Jordânia, e a crise alimentar na Coréia do Norte já provocou de 2 a 3 milhões de mortes desde 1995. No total, cerca de 800 milhões de pessoas (13% da população mundial) são consideradas subnutridas pela FAO. Elas vivem em mais de 30 países, tão distantes quanto Cuba e Mongólia, ou Tanzânia e regiões isoladas da Rússia. Para Nikos Alexandratos, pesquisador da FAO, a visão de que a persistência da insegurança alimentar e da subnutrição não é um problema de produção, mas de distribuição é totalmente correta _desde que se refira ao mundo com um todo. Mas essa conclusão não ajuda muito, completa o autor, em texto para um colóquio promovido pela Academia de Ciências dos EUA em dezembro passado. Por isso, Alexandratos enfatiza: é a falha em desenvolver a agricultura e aumentar a produção de comida localmente que está no coração do problema da insegurança alimentar. As causas são a falta de acesso à educação, boas sementes, fertilizantes e água. A isso se somam a pobreza e instabilidade política e as guerras, principais fatores para disseminação da fome. Com o crescimento populacional concentrado justamente nos países pobres da África e do Sudeste Asiático, o problema tende a se agravar no futuro. As projeções indicam que eles terão que multiplicar sua importação de alimentos. A FAO estabeleceu como meta reduzir o número de subnutridos crônicos no mundo de 800 milhões para a metade em 2015. Mas os estudos de Alexandratos indicam que em 2010 ainda vão existir 680 milhões de famintos. |
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