São Paulo, Sexta-feira, 2 de Julho de 1999




Efeito estufa condena economia baseada em carvão e petróleo

Ações para reduzir a emissão de gases na atmosfera esbarram na luta de países pobres para ter o “direito de poluir” que os ricos tiveram nos últimos 200 anos

especial para a Folha

É raro passar uma semana sem que uma revista científica publique alguma descoberta sobre as mudanças climáticas na Terra, notadamente o aquecimento gradual do planeta pelo maior acúmulo de certos gases na atmosfera.
As duas faces dos
combustíveis fósseis

O aquecimento, ou efeito estufa, foi o grande tema em debate na conferência mundial sobre o meio ambiente em 1992, no Rio. Ele é provocado por gases (como o carbônico ou o metano) que aprisionam parte da radiação solar que normalmente fugiria para o espaço, esquentando a Terra como uma estufa. O gás carbônico na atmosfera aumentou em quase 30% desde a Revolução Industrial.
Apesar disso, é provável que só no próximo milênio normas legais comecem a mudar de fato a maneira como o ser humano utiliza fontes de energia e, dessa maneira, modifica o clima do mundo.
Os principais acordos internacionais são a Convenção sobre Mudanças Climáticas, assinada no Rio em 1992. e um protocolo assinado em Kyoto, Japão, em 1997. A convenção teve 175 signatários. Já o protocolo foi assinado, até 15 de março deste ano, por 83 países e pela União Européia.
O Protocolo de Kyoto se tornará efetivo quando for ratificado pelos 55 países responsáveis por 55% das emissões de gases-estufa. Sua principal disposição é o compromisso dos países desenvolvidos de reduzir as emissões dos seis principais gases-estufa em pelo menos 5% entre 2008 e 2012.
Em 11 de junho passado, terminaram em Bonn, Alemanha, duas semanas de conversações internacionais entre especialistas de 147 países sobre mudanças climáticas. O objetivo era preparar outro encontro, que deverá ocorrer nessa mesma cidade, em novembro, que contará com a participação de ministros do meio ambiente. Será a COP-5, a quinta sessão dos participantes da Convenção do Clima. Está prevista mais uma reunião, a COP-6, a ser realizada no final do ano 2000 ou começo de 2001.

POLÊMICA
Ao contrário de outros temas científicos que foram objeto de acordos internacionais, o efeito estufa e a mudança climática são difíceis de ser engolidos por muita gente, incluindo governos.
Ainda há muito debate sobre os efeitos do aquecimento, e é até possível que alguns países tenham seu clima melhorado. Espera-se um aumento no nível do oceano, que inundaria muitas cidades costeiras. Ironicamente, o “aquecimento’’ poderia afetar a circulação oceânica e o transporte de calor pelos mares de modo a tornar alguns países bem mais frios.
Sete países já ratificaram o protocolo antes mesmo de as negociações estarem concluídas. São todos pequenos países-ilhas ou que ficam próximos do mar a ponto de temerem o aumento do nível dos oceanos que o aquecimento trará ao derreter as calotas polares.
Mas o problema maior é a adequação ao modo como a economia mundial está estruturada, baseada em combustíveis como o petróleo, cuja queima produz gases-estufa. Há países árabes cuja economia depende quase totalmente do petróleo. Para eles, a redução do consumo seria suicídio econômico.
O efeito estufa é fruto do desenvolvimento econômico. Por isso os países pobres alegam que também deveriam ter um “direito a poluir’’ do mesmo modo que os ricos tiveram no passado. O efeito estufa acumulado nos últimos dois séculos foi majoritariamente provocado por EUA, Europa e Japão.
O Brasil, que em 1988 tinha a fama de um vilão ambiental por destruir a floresta amazônica, contribuindo para o aumento do carbono na atmosfera, conseguiu melhorar essa imagem a partir de 1992, provando nos debates que os grandes culpados pelo efeito estufa são os países desenvolvidos.
Existem várias questões políticas a serem resolvidas, que dizem respeito às formas pelas quais os países desenvolvidos poderão atingir os objetivos de redução dos gases-estufa por meio da compra de um “direito de poluir’’ e de investimentos nos países em desenvolvimento, como reconhece o secretário-executivo da convenção do clima, Michael Zammit Cutajar.
O Protocolo de Kyoto foi extraído a fórceps após desgastantes reuniões em 1997. O resultado foi um compromisso que não agradou aos radicais pró ou contra redução da emissão de gases, como ecologistas ou lobistas da indústria petrolífera. Foram fixados índices de emissão dos gases. O problema agora é decidir como fazer isso.
O Protocolo de Kyoto estabeleceu três mecanismos para auxiliar os países ricos a diminuírem suas emissões. Um mecanismo de “desenvolvimento limpo’’ dará créditos quando esses países financiarem projetos de redução de emissões nos países em desenvolvimento. Outro mecanismo, semelhante, envolve projetos em outros países ricos _ou melhor, em relação aos antigos e altamente poluidores países comunistas. E será possível comprar créditos _um “direito de poluir’’_ entre eles.
(RICARDO BONALUME NETO)



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