São Paulo, Sexta-feira, 2 de Julho de 1999




MINAS

Agricultores e populações ribeirinhas disputam o rio Verde Grande


FÁBIA PRATES

da Agência Folha, no norte de Minas

Desde 1996, a seca no norte de Minas tem sido esperada com mais apreensão pelas 17 famílias que moram na Vila Barrinha, em Jaíba (620 km ao norte de Belo Horizonte).
A partir daquele ano, a carência de água deixou de ser causada apenas pela falta de chuvas. Na época crítica (agosto a outubro), os moradores passaram a perder a única fonte que, no resto do ano, os abastece com a água de que precisam para beber, tomar banho, cozinhar, lavar e manter os animais.
Adriana Zehbrauskas/Folha Imagem
Moradores de Verdelândia pegam água e lavam roupa no leito do rio Verde Grande, no norte de Minas Gerais, que está secando devido ao seu uso para irrigação de lavouras da região

O rio Verde Grande, que abastece a região, chegou ao limite. Nos últimos três anos, o trecho do rio que passa pelo local tem ficado seco por três meses. Adultos e crianças passaram a andar no mínimo 3 km, com baldes na cabeça, para arrumar água. A vila, localizada em uma das regiões mais pobres de Minas, sob clima semi-árido e com uma vegetação que dá ao local a aparência de deserto, passou a ser vítima de uma disputa pela água.
Cerca de 50 km rio acima, a água que falta na vila corre fácil. Equipamentos de irrigação tiram do Verde Grande e fazem jorrar sobre a terra a água que viabiliza a agricultura. O boom da irrigação, a partir dos anos 80, levou a região a uma situação contraditória. Garantiu a vitalidade agrícola e empregos, mas provocou o assoreamento do Verde Grande e de outros rios, causando problemas para os mais pobres que vivem às suas margens.
Por quase todos os 300 km que o rio percorre antes de desaguar no São Francisco, falta água para o consumo humano. “Aqui é um lugar esquecido. Eles só lembram na hora do voto”, diz a dona-de-casa Lourdes da Silva, 30. Ela nasceu na vila, diz que o rio “não dava pé” e hoje não chega a atingir seu joelho.
A aposentada Joana Barbosa, 82, armazena água em três tambores. Morando a 30 km da vila e a 3 km do rio, ela recebe água de um vizinho que abriu um poço. Joana não sabe ler, quase não enxerga, vive praticamente isolada, mas sabe a razão da escassez. “Tem muito plantio que puxa a água toda.”
O pequeno agricultor Manoel Gonçalves Costa, 65, mora a 40 km de Joana, em Verdelândia (cerca de 6.000 habitantes), e diz que teve de furar um poço para obter água.
Na entrada da cidade, uma ponte enorme de concreto foi construída em 1980. Quem passa por ali não entende sua grandeza, pois a água sob a ponte é ínfima. Mas quem mora no local há mais tempo entende. O prefeito José de Souza Gomes (PSDB), 57, conta: “Era um rio rico, mas está morrendo. Fui criado aqui. Aos sete anos, vinha para o rio pescar. E era peixe grande. Hoje, as grandes bombas que puxam a água acabaram com o rio”.
Para ele, a culpa “é dos políticos”. “Às vezes, a Secretaria de Recursos Hídricos chega a lacrar umas bombas, mas o fazendeiro vai a um deputado, diz que precisa de uma carta e o deputado consegue a autorização, sem que o órgão avalie a capacidade do rio. Eu mesmo já consegui uma dessas cartas”, diz.

PRODUÇÃO
Segundo a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco), há entre 1.500 e 2.000 produtores que retiram água do rio, a maioria sem autorização. A chamada outorga de água foi suspensa para o Verde Grande há dois anos, exatamente por causa dos danos sociais e ambientais.
A 10 km de Verdelândia estão instalados parte dos maiores produtores da região. Renato Pereira, dono da fazenda Rio Verde, planta banana e mamona em 117 hectares. Tira do rio 360 mil litros/hora de água por pelo menos 15 horas diárias. Segundo a Codevasf, para o consumo humano, o gasto é de 200 litros de água por dia por pessoa.
“O problema é que o rio é mal explorado”, diz Aldo Madureira, um dos pioneiros da irrigação na cidade. “Nem 1% dos que usam a água tem autorização.” Ele aponta a geração de empregos como um aspecto social da irrigação. “Emprego uma pessoa a cada dois hectares plantados”, diz ele, que tem 150 hectares de manga e banana, cuja irrigação por 12 horas diárias retira 200 mil litros/dia de água do rio.
Os fazendeiros puxam a água sem pagar nada ao governo, apesar de a lei 9.433/97, a chamada Política Nacional de Recursos Hídricos, prever a cobrança. Roberto Monteiro, gerente de Outorgas da Secretaria de Recursos Hídricos, diz que o caso, “ao que parece”, é fruto de descontrole. “Foram implantadas coisas demais sem observar as exigências legais.” Segundo ele, será feito um plano diretor para o rio. “Aí, devemos ter de tomar medidas, como cassar outorgas”, disse, sem saber informar quantas permissões já foram concedidas.



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