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Revolução
transgênica fica
na promessa
Apesar do desenvolvimento de plantas resistentes aos herbicidas, o desgaste
dos solos e o elevado consumo de água colocam agricultura no rumo
da insustentabilidade
especial para a Folha
Para defensores da biotecnologia, alimentos transgênicos são
a salvação da lavoura. Para seus detratores, podem ser a praga
definitiva do capitalismo globalizado e insustentável. Talvez a verdade
esteja no meio, mas o fato é que a tecnologia não pode ainda
cumprir nem metade de sua promessa: acabar com a fome do mundo.
18.fev.1999
Associated Press |
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Soja transgênica
despejada em frente à residência do primeiro-ministro
britânico Tony Blair, que autorizou o consumo de transgênicos;
nova técnica melhora cultivo, mas causa polêmica |
O mais célebre produto da engenharia genética, uma variedade
de soja resistente a herbicida, ainda está sub judice
no Brasil. Depois de aprovada pelo governo federal, foi acionada na Justiça
por organizações não-governamentais, que apontam nela
riscos para a saúde humana e para o meio ambiente.
Há duas semanas, um juiz federal concedeu liminar para as ONGs, impedindo
o plantio em escala comercial da soja alterada. A sentença determina
realização de estudo de impacto ambiental.
A soja resistente ao herbicida Roundup (nome genérico: glifosato)
resulta em ganho máximo de 5% na produtividade. O suficiente para
pôr agricultores feito loucos atrás dela (já ocupa 55%
da área plantada nos EUA), mas não para dar alimentos a todos
no mundo. E muito menos para convencer as pessoas comuns de que assistem
ao advento de uma revolução e não de um apocalipse
genético.
Como não é a quantidade, mas a distribuição
que impede a erradicação da fome, os transgênicos são
prescritos contra uma doença que não irrompeu _ainda.
A perda contínua de solos e seus nutrientes, assim como o consumo
de água para irrigação acima da capacidade de reposição
natural dos lençóis, põe a agricultura de hoje na trilha
da insustentabilidade.
Precisamos prestar muito mais atenção à sustentabilidade
do sistema agrícola, como fazer para que não aniquile os serviços
do ecossistema do qual dependemos, alerta o biólogo Paul Ehrlich,
referindo-se à recarga de mananciais e à formação
de solos férteis. Ehrlich, da Universidade Stanford (EUA), é
o autor de A Bomba da População (1968).
O crescimento populacional mundial, apesar de desacelerado, de todo modo
ainda adiciona 80 milhões de bocas à demanda por comida, todos
os anos. Elas terão de ser sustentadas com a mesma quantidade de
terra, porque a superfície agricultável do planeta está
deixando de crescer _o que se ganha com abertura de áreas se perde
com erosão e salinização.
Nesse ritmo, a densidade média poderá alcançar uma
pessoa por hectare nos países subdesenvolvidos, ou um estômago
por terreno comparável a um campo de futebol oficial. Só que
a maioria delas amontoadas em megalópoles capazes de engolir 6 mil
toneladas de comida por dia, quando alcançam 10 milhões de
habitantes.
Por outro lado, parece estar quase esgotado o limite biológico de
melhoramento de plantas. Num colóquio da Academia Nacional de Ciências
dos EUA, em dezembro passado, o agrônomo Kenneth Cassman, da Universidade
de Nebraska, afirmou que a colheita de arroz e milho _2 dos 3 grãos
mais importantes na alimentação mundial_ já materializa
80% do potencial desses vegetais.
RESISTÊNCIA À SECA
A única tecnologia com potencial à altura do desafio,
aparentemente, é a dos transgênicos. Mas mesmo seus militantes
empresariais acrescentam um grão de sal à mistura milagrosa:
A tecnologia em si mesma não é toda a solução,
diz Robert Bruce Horsch, que dirige a área de desenvolvimento sustentável
da Monsanto, multinacional identificada com os transgênicos.
Com ele concorda Paul Ehrlich: Não existe a solução.
Muitas tecnologias podem ajudar, mas não há sinais de que
tenham grande impacto nos três grãos principais _milho, trigo
e arroz.
E também Joel Cohen, do Laboratório de Populações
das universidades Rockefeller e Columbia: Poderia ser parte de uma
solução mais ampla, mas certamente (a engenharia genética)
não é por ela mesma um fator suficiente.
Para entregar o que promete, a biotecnologia teria de apresentar plantas
resistentes a solos pobres, áridos, salinizados e tóxicos.
E alimentos mais nutritivos, ou mesmo terapêuticos (como um óleo
que reduza o colesterol, ainda em estágio embrionário de pesquisa).
Esses alimentos já têm nome, nutracêuticos,
mas, nas prateleiras, o que se encontra são vegetais resistentes
a herbicidas e insetos, que só beneficiam produtores e que consumidores
encaram com crescente desconfiança.
O debate público sobre o fundamento desse temor tem gerado mais calor
do que luz, em particular na Europa, que passa por um pânico alimentar
após o outro (da vaca louca à dioxina no frango).
Nos EUA, a discussão é marginal. Mas os plantadores começam
a sentir o peso da irracionalidade do mercado europeu. No caso
do milho geneticamente modificado, estima-se que a área cultivada
possa cair dos atuais 30% do total.
As empresas e os cientistas estão cometendo os mesmos erros
que as empresas de energia nuclear, nos EUA. Em vez de fazer testes tranquilizadores
antes de ir ao mercado, estão correndo direto para ele e depois ficam
surpresos quando as pessoas dizem: espere aí, como é que eu
vou saber se essa coisa é segura? _diz Joel Cohen, que organiza
para o Banco Mundial um simpósio sobre o tema, em outubro. (MARCELO
LEITE) |