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Escassez pode levar a guerra
Baixa disponibilidade
do recurso e consumo elevado devido à superpopulação
causam conflitos entre países e pessoas; Oriente Médio é
região onde o problema poderá ser maior
RICARDO BONALUME NETO
especial
para a
Folha
Tentar cortar o suprimento
de água do inimigo sempre foi uma das táticas comuns nas guerras
desde a Antiguidade, notadamente nos cercos a cidades e fortalezas. A própria
guerra química e biológica tem origem nas tentativas de envenenar
a água do adversário.
Mas um episódio ocorrido no Oriente Médio em 1964 envolvendo
o acesso à água pode ser considerado pioneiro de um tipo de
conflito que poderá ser mais comum no futuro à medida que
o mais vital dos recursos naturais se tornar cada vez mais escasso.
Naquele ano, israelenses, sírios e libaneses trocaram tiros em torno
de obras que estavam sendo feitas pelos árabes para desviar o rio
Jordão. As obras eram constituídas por um canal que levaria
as águas de dois afluentes do Jordão _os rios Hazbani (Líbano)
e Banias (Síria)_ para o rio Yarmuk (Jordânia). Como o desvio
faria Israel perder dois terços dessa fonte de água, a obra
foi bombardeada. A escalada no conflito fez os sírios desistirem
do projeto.
O tema sempre preocupou o país. Estudo de 87 indicava que Israel
poderia iniciar o ano 2000 com um déficit de até 0,3 km3 por
ano, para um consumo de 1,5 a 2 km3. A estimativa dependeria do crescimento
populacional e da capacidade de reciclagem, estimada em até 1,5 km3/ano,
segundo o pesquisador israelense Hillel Shuval.
Programas de reciclagem têm diminuído o impacto da escassez
em Israel. Mas o fluxo de imigrantes e o crescimento percentual relativamente
maior da população palestina tornaram o tema um dos panos
de fundo mais importantes das negociações de paz na região.
O crucial rio Jordão é justamente a fronteira entre a Cisjordânia
ocupada pelos israelenses, e onde os palestinos querem construir seu Estado,
e a Jordânia, à qual a região pertencia até ser
tomada por Israel em 67.
FIM EM 40 ANOS
Em março passado foi divulgado o primeiro estudo internacional sobre
a água da região, o primeiro envolvendo israelenses, palestinos
e jordanianos, além de americanos. Os números não deixam
margem para desperdícios. Os pesquisadores estimam que em 40 anos
toda a água doce na região terá de ser usada para consumo
doméstico, reservando para agricultura e indústria (os maiores
usuários) a água tratada de esgotos.
Há também um desequilíbrio regional no consumo que
poderá diminuir com o maior desenvolvimento dos vizinhos de Israel.
Mas, ironicamente, criando maior demanda. Dados de 94 indicam que um israelense
consome 344 m3/ano de água, contra 93 de um palestino da Cisjordânia
ou da Faixa de Gaza, e 244 de um jordaniano.
O problema afeta boa parte do Oriente Médio. Segundo o pesquisador
Jean Margat, dos 11 países ou regiões com menor disponibilidade
de água no mundo, oito estão no Oriente Médio _Kuait,
Qatar, Faixa de Gaza, Arábia Saudita, Líbia, Bahrein, Jordânia
e Emirados Árabes Unidos.
Mas a falta de água pode afetar mesmo países com maior disponibilidade
do líquido _basta ter dificuldade de acesso aos recursos ou uma grande
população.
Canadá e China, por exemplo, recebem quantidades parecidas de água
das chuvas, mas a enorme população chinesa torna a disponibilidade
per capita bem menor (um chinês tem apenas 2,3% do total disponível
a um canadense).
A também populosa Índia vive situação parecida
de escassez relativa, o que pode levar a desentendimentos com o vizinho
Bangladesh pelas águas da bacia dos rio Ganges e Brahmaputra. E o
próprio Brasil viveu momentos tensos com a Argentina nos anos 70
devido ao uso das águas da bacia platina para produzir eletricidade.
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