Óperas tiveram bom ano em São Paulo, mas enfrentam futuro indefinido

Ainda não há anúncio do que será apresentado na temporada lírica de 2019

Alcina

Marilia Vargas em cena na ópera 'Acina' Sergio Ferreira /Divulgação

Sidney Molina
São Paulo

No paulistano Theatro São Pedro, silêncio; no Municipal de São Paulo, boatos: o ano termina sem que haja anúncio oficial de temporada lírica para 2019.

Ao contrário do mundo sinfônico paulista, liderado pelo profissionalismo de Osesp e Cultura Artística, a ópera do estado infelizmente ainda não alcançou a estabilidade de programação, o que impede o público de se planejar com antecedência —seja ele de assinantes fixos, turistas de passagem pela cidade ou frequentadores circunstanciais.

Para além das indesejáveis interferências da política, concorrem para os altos e baixos das temporadas de ópera os rompimentos súbitos com as organizações gestoras, como acaba de ocorrer, mais uma vez, no Municipal.

Mudanças de direção (artística ou administrativa) ocorrem em toda parte, mas, em palcos mais experientes e estáveis, os novos gestores assumem uma programação já estabelecida, anunciada e contratada; somente aos poucos, ao longo do tempo, começam a deixar suas marcas pessoais.

Posto isso, o ano lírico paulista de 2018 foi bem melhor do que o de 2017. Apesar do tardio início, em maio, e do pequeno número de títulos (quatro montagens no Municipal e quatro no São Pedro), a escolha das óperas foi variada, e algumas realizações fizeram história.

As obras do século 18 escolhidas pelo São Pedro, “O Matrimônio Secreto”, de Cimarosa, e “Alcina”, de Handel, mostraram qualidade nas direções musicais (Valentina Peleggi e Luís Otávio Santos, respectivamente), porém contaram com elencos irregulares e enfrentaram inconsistências na interação entre música e cena.

 

Com excelente performance da Orquestra Sinfônica Municipal, dirigida Alessandro Sangiorgi, o revival de “Pelléas et Mélissande”, de Debussy, não surtiu o mesmo impacto da montagem original, de 2012. Já “O Cavaleiro da Rosa” (de Richard Strauss, com direção cênica de Pablo Maritano), também no Municipal, teve resultado equilibrado nos principais quesitos.

Dois diretores cênicos se destacaram em 2018, ambos com trabalhos para as duas casas de ópera paulistanas:  André Heller-Lopes, que fez “Kátia Kabanová”, de Janácek, no São Pedro, e “Turandot”, de Puccini, no Municipal; e Jorge Takla, que assinou “La Traviata” (de Verdi) na praça Ramos de Azevedo, e “Sonho de uma Noite de Verão” (de Benjamin Britten) na Barra Funda.

Invariavelmente atento às minúcias das partituras, Heller-Lopes trouxe expressionismo e simbolismo na medida certa para “Kátia”, cuja direção musical coube a Ira Levin; já em “Turandot”, por outro lado, usou com maestria a verticalidade e criou uma dimensão de figurantes (no alto, ao longo do palco), um genial espelhismo do que seriam as reações dos espectadores.

Maestro titular do Theatro Municipal, Roberto Minczuk regeu “O Cavaleiro da Rosa”, “Turandot” e “La Traviata”, na qual a elegante direção cênica de Takla (originalmente concebida para o Palácio das Artes, de Belo Horizonte) encontrou as interpretações de Nadine Koutcher (como Violetta), Fernando Portari (Alfredo) e Paulo Szot (Germont).

Takla dirigiu também, com grande virtuosismo, a shakespeariana “Sonho de uma Noite de Verão”, com regência de Cláudio Cruz, em que a sintonia com a música somou-se a uma compreensão plena das inversões simbólicas propostas pelo texto. Merecia prêmio especial o entrosamento da trupe de teatro amador liderada pelo cantor Saulo Javan.

Entre os brasileiros, merecem menção especial a veterana Rosana Lamosa (que atuou com igual qualidade em Britten e Debussy), Luisa Francesconi (em Janácek, e com um inesquecível Octavian, em Straus), o extraordinário Bottom do barítono Homero Velho (em Britten), e a soprano Gabriella Pace, no auge, perfeita tanto como Liú (Puccini) como no papel da protagonista Kátia Kabanová.
 

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