A cartilha de inverno 2020 da temporada internacional pode dar a falsa impressão de que a próxima estação será romantizada.
Há vestidos lânguidos e lacinhos no pescoço, mas seria engano achar que as garotas tirarão do armário a fantasia de princesa, porque no novo mundo o príncipe é mero acessório, o lobo mau está à solta e a floresta é perigosa para andar desprotegida.
É essa a mensagem dos principais desfiles do circuito, que terminou na terça-feira (5), em Paris, com uma torrente de referências ao amor idealizado, ao romantismo perverso e à estética militarista.
De Londres a Paris, as grifes emularam contos sombrios sobre as agruras de ser mulher num mundo convulsivo, como Prada, Dior, Versace, Valentino e Miu Miu, que transformaram suas passarelas em um emaranhado de referências ao punk, à austera alfaiataria britânica e às silhuetas dos períodos pré e pós- Segunda Guerra.
No último dia desta temporada eclipsada pela morte do estilista Karl Lagerfeld, fato que só ampliou o mau humor congênito e pessimista sobre o presente, a Miu Miu levou a Paris todos esses traços de desencanto aplicado à roupa.
Dispostas pela sala, televisores antigos e painéis gigantes montados pela artista inglesa Sharna Osborne mostravam imagens de garotas desarrumadas, bonecas jogadas no chão e cenas de uma aparente inocência perdida.
As roupas seguiam o tom de transição para a vida adulta, com flores murchas e vivas servindo de estampa para bolsas e vários blusões, que foram combinados a vestidos, saias e shorts curtos, meia-calça transparente e fendas.
Os looks são carregados de cores fechadas e muitos deles foram forrados com camuflados do tipo militar, esverdeados e marrons. O padrão cobriu várias bases de acessórios e capas, lisas, estampadas ou com textura de plumas.
Essa foi a forma encontrada por Miuccia Prada para criar um jogo de contraste entre doçura e perversão.
As modelos caminhavam com essas duas visões de mundo, ora calçadas com coturnos pesados, agressivos, ora com sapatos de cetim forrados de brilho e com salto em formato de ampulheta, uma representação esperta sobre a passagem do tempo.
Ainda que diluída em várias versões relaxadas e esportivas —a depender das grifes internacionais, muito náilon ainda será gasto para confeccionar jaquetas—, a estética militar esteve por todos os lados dessa temporada. Até na Lacoste, que voltou ao calendário com esportivo chique reformulado.
Nova estilista da marca, Louise Trotter reverenciou o legado do jacaré num bloco inteiro de alfaiataria cáqui e cinza chumbo, duas cores que devem entrar no repertório do próximo inverno.
Pantalonas, macacões, jaquetas corta-vento, capas e camisas apareceram na Lacoste tingidas com o monocromatismo geral que tomou as passarelas.
A mistura de cores apareceu só nos padrões geométricos, bem planejados nos conjuntos de maxitricôs combinados a saias plissadas de Trotter, e também nos da grife Issey Miyake, outro destaque da pequena ala gráfica e colorida da semana de Paris.
A moda parece querer resgatar o look de caça e guerra como ferramenta de proteção, uma camada espessa de panos para afastar o perigo.
Oficialmente, as marcas dizem tratar de liberdade, amor e romance, mas costuram seus temas ensolarados de tal forma que suas roupas são a cara desses dias coléricos.
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