Descrição de chapéu

Obras trazem universo sentimental dos cineastas para as telas

Bárbara Paz faz relato afetivo sobre Babenco e Tarkóvski ganha narrativa pelo olhar do filho

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Eduardo Coutinho está um tanto entediado no começo de “Banquete Coutinho”, como se dissesse: "Outra vez? Outro filme sobre mim? Que chato!". Na poltrona, antes de assistir, penso mais ou menos a mesma coisa: já foram tantos os filmes feitos sobre ele, o que haveria de novo? Repetição. Fetiche Coutinho.

Daí a surpresa. O documentário de Josafá Veloso é, de longe, o melhor que já vi sobre esse cineasta maior. Veloso arranca de Coutinho mais ou menos o que Coutinho tirava de seus entrevistados: aquilo que ninguém espera.

Desta vez Coutinho fala de Walter Benjamin, da mortalidade, do cigarro, de filmar como o que dá sentido a sua vida. Também canta um pouquinho. E vemos trechos de seus filmes bem colocados, de maneira adequada, inclusive o seu filme de formatura feito no Idhec, a escola de cinema que cursou na França.

Um único inconveniente: a insistente pergunta sobre se Coutinho fez sempre o mesmo filme ao longo da vida. Questão já respondida por um grande crítico (François Truffaut, talvez?): bons cineastas têm muitas ideias, grandes cineastas têm apenas uma. 

De outra ordem é “Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz. A atriz e última companheira de Hector Babenco documenta seus últimos dias. É um relato afetivo e ao mesmo tempo implacável sobre um artista cuja existência se desmilingua diante de nós. Como diz Eduardo Coutinho, citando Lacan, “se existisse a imortalidade, como suportaríamos viver?”.

É diante da mortalidade que estamos. E, de certa forma, da vida, daquilo que Babenco produziu no cinema, que não foi nada pouco. Muito do que está lá, estava em seu último filme, “Meu Amigo Hindu”, de 2015. Mas é em alguns momentos de intimidade que o cineasta se revela. Assim, a terna alegria diante da cena em que, neste filme, Bárbara Paz interpreta Gene Kelly dançando em “Cantando na Chuva”.

Ou, mais ainda, a revelação de sua origem judaica, do sentimento de, em vista dela, na infância, estar sempre deslocado no mundo: em casa, ouvia uma língua (o íidiche) que na rua ninguém tinha jamais ouvido.

O terceiro cineasta a mencionar não é menor que os outros: o russo Andrei Tarkóvski. O subtítulo do filme de seu filho, “Andrei Tarkóvski: Uma Oração ao Cinema”, faz todo sentido. Também vemos seus filmes e, ao mesmo tempo, escutamos sua voz, por vezes podemos vê-lo pensando, ou dirigindo.

Sua trajetória é bem soviética: seu desejo de cinema surge com os bons ares que chegam com a desestalinização promovida por Nikita Kruschev. Ainda assim, o pacifismo de seu “A Infância de Ivan” será motivo de críticas. Nem toda guerra é injusta, nem toda guerra é ruim, bradam seus críticos. Tarkóvski entende que a guerra é uma derrota para todos. A partir daí, seu cinema e seu pensamento voltam-se cada vez mais à natureza e ao homem.

Progressivamente, estará mais perto da fé em Deus e na natureza: ambos começam antes do homem e sobreviverão as nossas insânias, acredita. À medida que a esperança na URSS se torna mais distante, a crença nas virtudes russas e a fé se tornam mais presentes.

Cena do filme "Tarkovsky: Uma Oração de Cinema", de Andrei A. Tarkovski
Cena do filme 'Andrei Tarkóvsky: Uma Oração ao Cinema', feito pelo filho do cineasta - Divulgação

Fé que carregará para fora da URSS, cujo final não chegará a ver, tendo morrido no final de 1986, pouco depois de filmar “O Sacrifício”, aos 54 anos. Para ele isso não importava muito. Coutinho, sim, tinha medo da morte. Babenco não a desejava. Tarkóvski confiava tanto em Deus que quase aspirava à morte.

Abel Ferrara afasta-se da ideia de tratar de cineastas, mas não de cinema. “O Projecionista” é um precioso retrato do cipriota Nicolas Nicolaou, apaixonado por filmes desde a infância, mas não pela ideia de fazê-los.

Desde que desembarca em Nova York, sua ideia é trabalhar em cinemas. Começa varrendo salas. Terminará com um circuito de salas de rua, adquiridos graças a seu tino para os negócios, mas também pelo vício frenético de salvar salas à beira da falência. Ele as compra, as reforma, as restitui à comunidade dos bairros. 

Nicolaou é muito mais que um “locador de poltronas”, como André Bazin definia os exibidores. É um apaixonado pelos filmes e pelos negócios. Soube juntar o útil ao agradável. Soube merecer o apaixonante retrato que dele faz Ferrara.

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