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Em 'A Morte e o Meteoro', Amazônia é destruída e homem branco é 'grande mal'

Ficção se apoia na falta de heróis e em reviravoltas inquietantes

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A Morte e o Meteoro

  • Preço R$ 49,90 (120 págs.)
  • Autoria Joca Reiners Terron
  • Editora Todavia

“Foi o primeiro caso da história das colonizações no qual um povo ameríndio inteiro, os 50 kaajapukugi remanescentes, pediu asilo político em outro país.”

Assim começa “A Morte e o Meteoro”, novo romance de Joca Reiners Terron. Embora só no limite possa ser considerado ficção especulativa, o livro delineia um cenário catastrófico que sugere o alto preço a ser pago quando um governo abre mão de políticas voltadas para a conservação do meio ambiente e a
proteção dos povos indígenas.

Estamos num futuro próximo. As previsões mais funestas se converteram numa realidade palpável e irreversível. A Amazônia foi destruída por completo. Os kaajapukugi, povo que habitaria a bacia do rio Purus, “vinham sendo caçados com determinação pelo Estado e pelos seus agentes de extermínio: garimpeiros, madeireiros, latifundiários e seus capangas habituais, policiais, militares e governantes”.

O escritor Joca Reiners Terron - Marcus Leoni/Folhapress

O homem branco, chamado pelos kaajapukugi de “grande mal” (“a obstinação do grande mal em invadi-los, colonizá-los, destruí-los”), acompanha pelo noticiário a saga do povo.

Sem mulheres ou crianças entre eles, os últimos homens da etnia encontram asilo em Oaxaca. O papel do narrador, um antropólogo mexicano preso a uma função burocrática, é acompanhá-los à nova morada. Um outro sujeito, Boaventura, ajuda na transferência dos kaajapukugi e assume —ainda que de forma indireta— a condução de alguns trechos da narrativa.

Esses dois representantes do grande mal misturam suas histórias pessoais à história coletiva dos kaajapukugi.

Um é pouco mais do que um espectador empático mas indolente, que entra em cena tarde demais e cansado para reverter ou melhorar a situação. Outro interfere diretamente no destino de um povo.
Suas vidas solitárias permitem um paralelo com o encerramento de uma herança comum, com a perda de referências e com a desterritorialização dos kaajapukugi.

“A Morte e o Meteoro” reserva espaço para reviravoltas inquietantes; personagens e situações surgem e ressurgem sob uma nova luz. Não há heróis no livro, mas só um tipo extremo de anti-herói. Se algumas de suas ações são altruístas, outras alcançam a abjeção mais completa.

Passado e futuro se interpelam numa mescla de ficção científica e narrativa etnográfica na qual a manipulação do espaço e do tempo integra a cosmogonia de um povo.

A destruição ostensiva que ocorre no presente do livro —que inclui não só a de indivíduos e modos de vida ancestrais, mas também a de um bioma— chega em meio às notícias de uma missão chinesa para colonizar Marte.

Aquilo que de tão remoto ou desconhecido passa à categoria de extraterrestre deve ser lido na mesma chave da indiferenciação entre passado e futuro —é a mesma falsa oposição entre o mundo
primitivo natural e o mundo futurista da técnica.

A língua dos kaajapukugi “parecia alienígena”. No aeroporto mexicano, a cena dos 50 homens que passam pelo detector de metais vestidos com seus trajes cerimoniais é incongruente. “Parecia”, diz o narrador, “a chegada à Terra de seres de outro planeta”.

Os kaajapukugi são avessos a hierarquias e usam cortes de cabelo no estilo moicano. O elenco de “A Morte e o Meteoro” ainda inclui os índios metropolitanos ou anarcoindigenistas, “guerreiros indígenas de etnias ameaçadas no mundo todo” que lutam pela causa.

A trama se embrenha intencionalmente nos próprios labirintos. Ao dar ao leitor uma resolução tão ambígua quanto estapafúrdia, ainda que coerente com o desenrolar da narrativa, Reiners Terron não oferece nenhuma conclusão fácil.

A explicação, claro, vem antes do meteoro. Mesmo que a explosão final ainda não tenha chegado, parece sugerir o autor, certas coisas já não têm salvação. Depois, bem. Depois ninguém se preocupa mais.
Ou tudo recomeça outra vez. Não sabemos.

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