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'Nossos governantes não têm o mínimo contato com o povo', diz Patti Smith

Nesta semana, cantora vem a São Paulo para divulgar seus livros e apresentar-se no Popload Festival

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São Paulo

Patti Smith, a escritora, viaja a São Paulo para divulgar dois livros que saem agora no Brasil —“Devoção” (2017), algo entre prosa e ensaio, e “O Ano do Macaco” (2019), o seu terceiro volume de memórias. Este chega após “Só Garotos”, vencedor do National Book Award em 2010, e “Linha M” (2016). Ela vai conversar com leitores na quinta (14), às 14h, no Sesc Pompeia.

Patti Smith, a cantora, viaja a São Paulo para dois shows. O primeiro será na sexta (15), encerrando o Popload Festival, no Memorial da América Latina. O segundo, no dia seguinte, é uma apresentação beneficente no auditório Simón Bolívar, também no Memorial.

A americana Patti Smith, 72, segue rodando o mundo com canções que a transformaram em estrela do rock. Com o álbum de estreia, “Horses”, lançado em novembro de 1975, surgiu uma poeta precursora do punk, que aproximou música e literatura. Depois de parar com a carreira musical durante boa parte da década de 1980, quando teve um casal de filhos, retornou ao discos em 1988 e não parou mais.

Patti Smith
A cantora e escritora Patti Smith - Jesse Dittmar/Reprodução

Ela pode escolher para os shows músicas de seus 11 álbuns e alguns covers. De tempos em tempos, ela se apaixona por uma canção. Nas quase 50 apresentações que fez neste ano, “After the Gold Rush”, de Neil Young, esteve no repertório. “Tenho certeza de que vou cantar essa. Se tocar 14 canções, provavelmente apenas três ou quatro serão covers”, diz a cantora.

Patti afirma que as canções alheias sempre fizeram parte de seu trabalho. “Em ‘Horses’ eu já gravei dois covers”, recorda, referindo-se a “Land of a Thousand Dances”, de Chris Kenner e Fats Domino, e “Gloria”, de Van Morrison. “Claro que ‘Gloria’ é um cover, mas eu a roubei, praticamente se transformou em uma das minhas canções”, afirma, rindo.

Quem tiver a oportunidade de assistir aos dois shows deve ver performances bem diferentes. Uma ao ar livre, diante de cerca de 15 mil pessoas, e a outra intimista, em teatro. “Todo show é diferente dos outros, mesmo que sejam apresentadas canções similares. Minha preocupação é entreter as pessoas, e a energia da plateia ajuda a deixar cada show de um jeito único, a criar uma atmosfera. No festival, talvez teremos um pouco mais de agitação.”

Falando em diferenças, é evidente que seus três volumes autobiográficos são bem distintos em conteúdo e formato. “Só Garotos” cobre um período longo e é um relato de muita ternura. “Linha M” abre o dia a dia da autora a seus fãs. E “O Ano do Macaco” é mais onírico, tratando os eventos de 2016 de forma delirante.

O primeiro foi escrito para celebrar a relação dela com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, morto em 1989, que foi seu namorado e um grande amigo. 

“O livro é um relato real, bem apurado, fiel a tudo o que aconteceu. Eu tinha uma grande responsabilidade de mostrar nossa relação. Quando escrevi ‘Linha M’, não tinha essa responsabilidade, exceto por um período de minha vida com meu marido, nos anos 1980. O resto era um apanhando de coisas que eu faço no meu cotidiano.” Fred “Sonic” Smith, que foi guitarrista do lendário grupo MC5, morreu em 1994, aos 46 anos.

Segundo ela, “O Ano do Macaco” foi bem diferente, escrito sem estar preso a nenhuma proposta inicial ou agenda. “Então é muito mais experimental, tem fatos e ficção. Fiquei livre para criar uma atmosfera de sonho, mesmo contando coisas que aconteceram na minha vida. Foi um ano bem desafiador para mim, com os encontros com Sam já muito doente. Houve um peso, mesmo nos aspectos mais domésticos da minha vida.” Sam Shepard, dramaturgo e ator, morreu em 2017, aos 73 anos. Ele e Patti viveram juntos de 1970 a 1971, quando escreveram e encenaram a peca “Cowboy Mouth”.

Patti escreve muito sobre as suas viagens. Quando este repórter pergunta se ela consegue passar dias longe do papel, sem escrever ou ler alguma coisa, ela ri. “Não. Eu estou sempre escrevendo. Não fico longe do papel. Mesmo quando vou à opera, uma das minhas atividades favoritas, eu estou com um pedaço de papel nas mãos, não é? Sempre tenho algo a escrever. Às vezes parece que não, mas é só ter o papel para que coisas venham à cabeça.”

Pelos relatos em seus livros recentes, principalmente “Linha M”, sua rotina diária parece solitária. Ela mora sozinha, escreve, lê, assiste a séries na TV, sai para passar um tempo em seus cafés favoritos. Nas viagens, caminha desacompanhada pelas ruas de cidades que ainda não conhece.

“Não encaro isso como solidão, vejo como solitude, um isolamento voluntário. Minhas performances já me levam aos olhos do público, então meus escritos me proporcionam essas oportunidades de isolamento. Sou viúva há 25 anos, minhas crianças já cresceram, então eu vivo sozinha, aproveito a minha solitude.”

Em “O Ano do Macaco”, ela fala da grande decepção com a eleição de Trump. Quando a conversa recai sobre política, começa a falar do Brasil. Às vezes pensa que o mundo parece estar andando para trás.
“Mais importante do que avanços culturais e sociais que estamos perdendo é a questão do meio ambiente. Tanto os Estados Unidos como o Brasil estão muito próximos de desastres ambientais. E o que acontece no seu país acaba afetando o resto do mundo. Nossos governantes, nos Estados Unidos e no Brasil, mais do que corruptos, homofóbicos ou racistas, não têm o mínimo contato com o povo, com o 
que importa para as pessoas”.

Ela diz acompanhar o noticiário sobre queimadas na Amazônia e o derramamento de óleo na costa brasileira. “Eu choro quando vejo o que acontece com a floresta amazônica, tanta destruição é de partir o coração. O cenário no meu país é diferente, mas os estragos também são enormes. Os jovens estão se mobilizando, mas é muito difícil impedir a destruição de coisas que nunca conseguiremos reconstruir. Não se pode recriar toda a floresta amazônica.”

Com uma longa trajetória de ativismo, com participações em movimentos que uniram música e mobilização social, ela ainda acredita que o rock pode ajudar a despertar consciências. “Eu acho 
que até pode ajudar, mas acho que hoje os jovens já encontram suas motivações.”

Ela destaca o papel da ativista ambiental sueca Greta Thunberg, de 16 anos. “Essa garota, com essa idade, já representa a conexão poderosa entre os jovens de vários lugares e suas mobilizações pelo mundo inteiro. Nós vamos ver milhões de garotos em marcha.”

A banda que Patti traz ao Brasil tem o guitarrista Lenny Kaye, 72, seu fiel escudeiro. Os dois se conheceram numa loja de discos em que Kaye trabalhava, em Nova York. Em 10 de fevereiro de 1971, ele a acompanhou na primeira vez em que ela declamou seus poemas, numa igreja nova-iorquina.

“Lenny e eu temos uma infinita confiança um no outro. E dividimos o entusiasmo por fazer coisas novas”, diz a cantora. Embora os dois já tenham ideias para mais músicas, o próprio guitarrista acha que um novo disco deve demorar. “Eu e Patti estamos agora concentrados em nossas escritas”, diz Kaye, também jornalista e escritor. Após quatro anos de trabalho, ele está finalizando seu terceiro livro, “Lightning Strikes”, uma história evolutiva do rock and roll.

Artista faz shows no Memorial e debate no Sesc Pompeia 

Em sua passagem pela capital paulista, Patti Smith ainda fará dois shows. A cantora se apresenta no Popload, na sexta (15), e no Memorial da América Latina no sábado (16).

Antes disso, na quinta (14), às 14h, ela participa de debate sobre seus dois livros recém-lançados no Brasil, “Devoção” e “O Ano do Macaco”, no Teatro do Sesc Pompeia. A conversa terá mediação da editora Fernanda Diamant, curadora da Flip. Os ingressos para o evento são gratuitos. 

Patti Smith - Conversa com fãs

Popload Festival

Show Popload Social

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