Descrição de chapéu The New York Times

Woody Allen, Polanski e outros acusados de assédio tentam voltar a Hollywood

Carreiras dos diretores de cinema dependem de audiência e de seus trabalhos, entre outros fatores

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Cara Buckley
The New York Times

A França transmitiu mensagens contraditórias sobre Roman Polanski e a cultura do cancelamento, na semana passada.

O novo filme do diretor, “J’Accuse” —conhecido em inglês como “An Officer and a Spy”— foi lançado dias depois que uma fotógrafa acusou o cineasta de estuprá-la violentamente em 1975, o que ele nega.

Depois de protestos, algumas sessões do filme foram canceladas, a promoção da obra foi reduzida, o sindicato dos cineastas franceses parece ter se inclinado a expulsá-lo, e o ministro da Cultura do país disse que os potenciais delitos de um artista não eram compensados pelo mérito de sua arte.

Os críticos ficaram na minoria. O filme, que relata o a histórica injustiça do caso Dreyfus, ficou no topo das bilheterias do país e, de acordo com, seu distribuidor, será exibido em toda a Europa, na Rússia e a na China. Mas continua a não ter distribuidor nos grandes mercados cinematográficos dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Dois anos depois das acusações de agressão sexual contra Harvey Weinstein, e do início da era #MeToo que elas causaram, diretores acusados de delitos de conduta sexual continuam a experimentar consequências adversas, mas o grau das consequências depende do prestígio de que desfrutavam inicialmente. (Weinstein, que está enfrentando julgamento criminal por acusações de agressão e crime, negou que tenha feito sexo não consensual em qualquer momento de sua vida, e se declarou inocente de todas as acusações.)

Polanski e Woody Allen, que acaba de encerrar por acordo um processo por violação de contrato contra a Amazon depois de esta ter cancelado um acordo com ele para quatro filmes, continuam a contar com forte apoio na Europa continental, mas se tornaram veneno nas bilheterias dos Estados Unidos, onde diversos distribuidores se recuaram a conceder entrevistas para este artigo, por não quererem ter seus nomes associados a qualquer dos dois homens de qualquer maneira que fosse.

Polanski fugiu dos Estados Unidos em 1978 depois de se admitir culpado por sexo com um menor de idade. Allen foi acusado por sua filha de tê-la molestado quando criança. Ele nega qualquer impropriedade. Os dois voltaram a enfrentar recriminações intensas quando o movimento #MeToo ganhou ímpeto.

Mas graças às suas audiências na Europa, Allen e Polanski têm perspectivas mais róseas do que dois cineastas mais jovens.

O comediante Louis C.K., que admitiu em 2017 ter se masturbado diante de diversas mulheres, voltou a se apresentar no circuito de humor stand-up. Mas não há sinais de que “I Love You, Daddy”, um filme dirigido por ele que estava a ponto de estrear quando as acusações surgiram, possa um dia ser lançado.

“The Birth of a Nation”, o filme de estreia de Nate Parker, em 2016, foi torpedeado quando acusações de estupro feitas contra o cineasta anos antes ressurgiram. Ele foi absolvido por um júri, no caso de 1999. Agora, Parker está tentando um retorno com um novo filme, “American Skin”.

O filme, sobre um homem morto por policiais, recebeu críticas positivas e estreou no Festival de Cinema de Veneza, em setembro. Matt Burg, um dos produtores do trabalho, defendeu Parker vigorosamente em uma entrevista, dizendo que ele era um dos cineastas mais talentosos com quem já trabalhou. “Se um homem foi acusado e considerado inocente, por que alguém trataria essa pessoa como culpada?”, disse Burg.

Ele ficou zangado ao saber que Parker seria incluído neste artigo. “Estou desapontado, mas é isso que todo mundo vem fazendo”, ele disse, acrescentando que o público tinha “zero problema” com Parker e que foi apenas a mídia que trouxe o velho caso de volta à superfície.

Burg disse que havia diversas ofertas de distribuição para o filme, e que estava em negociação com um estúdio e esperava fechar um acordo esta semana.

Polanski e Allen se reorientaram às audiências europeias, nos últimos anos, para aproveitar a atitude mais relaxada que existe no continente com relação ao #MeToo.

Depois que a Amazon cancelou seu contrato com Allen, seu mais recente filme, “A Rainy Day in New York”, estreou na Polônia, e de acordo com o site Box Office Mojo faturou US$ 12,5 milhões no mercado internacional. Como no caso do filme de Polanski, o trabalho de Allen não tem distribuição nos Estados Unidos ou no Reino Unido. A companhia espanhola de comunicações Mediapro está produzindo o novo trabalho de Allen, “Rifkin’s Festival”, mas a probabilidade de que ele chegue às telas dos Estados Unidos e do Reino Unido continua muito baixa.

A potencial recompensa financeira pela distribuição de um filme de Polanski ou Allen nos Estados Unidos pode não justificar o estrago que o distribuidor sofreria em termos de imagem. Excetuados sucessos ocasionais como “Blue Jasmine”, de 2013, as bilheterias dos filmes mais recentes de Allen foram modestas, ou pior. O mesmo vale para Polanski, cujo último grande sucesso de bilheteria foi “O Pianista”, de 2002.

No Reino Unido, as audiências também parecem relutantes em aceitar as obras recentes de Allen ou Polanski. Hamish Moseley, diretor executivo de uma distribuidora de cinema britânica, disse que o fato de que os filmes de ambos os diretores costumavam ser direcionados às salas de arte, nos últimos anos, os torna apostas ainda mais arriscadas. “Quanto menor for a produção, maior o impacto das relações públicas sobre seu destino comercial”, ele disse.

E embora algumas feministas e o público mais jovem da Europa continental tenham expressado oposição a Polanski e Allen— a produção de “Rifkin’s Festival” na cidade espanhola de San Sebastián atraiu protestos, meses atrás—, os espectadores mais velhos parecem aceitar melhor esses trabalhos.

Os casos de Louis C..K. e Parker são diferentes, da mesma forma que seu renome como diretores. De acordo com o site de Louis C.K., apresentações de humor que ele fará na Itália, Israel, Suíça, Eslováquia e Hungria tiveram todos os seus ingressos vendidos, assim como shows que fará em Detroit e Houston, nos Estados Unidos. Determinar se isso representa um retorno bem sucedido é outra coisa: um repórter do jornal Los Angeles Times recentemente adquiriu um ingresso para um dos shows supostamente lotados do humorista na Virgínia por US$ 4, o que indica que os cambistas podem ter avaliado erroneamente o interesse da audiência.

Já Parker é quase desconhecido internacionalmente, com uma carreira como cineasta que parou praticamente antes de começar. “Ninguém o conhece fora da indústria do cinema, por exemplo na Suíça ou na Alemanha”, disse Christoph Daniel, diretor executivo da DCM, uma distribuidora de filmes independentes sediada em Berlim. E, ele disse, promover um filme americano depende pesadamente do desempenho deste em seu mercado de origem.

“Se não houve lançamento nos Estados Unidos, lançar o filme se torna difícil”, disse Daniel.

O veterano crítico e historiador de cinema americano Leonard Maltin disse que há poucos precedentes para um diretor ou astro de cinema que tenha tido sua carreira praticamente destruída por escândalos, entre eles o caso do ator Roscoe “Fatty” Arbuckle, da era do cinema mudo, que foi julgado por homicídio culposo e acusado de estupro pelos jornais. Ainda que Arbuckle tenha sido absolvido, sua carreira jamais se recuperou.

”Não estou questionando as fontes desses escândalos ou os delitos das pessoas que os causaram”, disse Maltin. “Mas me apanho perguntando para onde vamos, daqui.”

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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