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Gonçalo Tavares recusa as certezas e luta para manter a conversa viva

O que não falta nas mais de 500 páginas de 'Atlas do Corpo e da Imaginação' é excesso, experimento e risco

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Adriano Schwartz

Professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e autor de 'O Abismo Invertido'

ATLAS DO CORPO E DA IMAGINAÇÃO

  • Preço R$ 159,90 (528 págs.)
  • Autoria Gonçalo M. Tavares
  • Editora Dublinense

Em um momento de seu “Atlas do Corpo e da Imaginação”, lançado em 2013 em Portugal e que agora chega ao Brasil em um volume muito caprichado, Gonçalo M. Tavares lembra que Paul Valéry escreveu ser importante impedir que uma ideia pudesse servir duas vezes e constata que o hábito é a “eliminação do excesso, do resto”.

E, de fato, o que não falta nas mais de 500 páginas do texto —e no conjunto da imensa obra do autor— é excesso e resto, experimento e risco. Como ele diz num outro momento, “fazer é colocar no mundo coisas que podem ser julgadas”. Gonçalo M. Tavares é um exímio “fazedor”, daquele tipo que beira a impossibilidade. Como ler tanto e escrever tanto nestes tempos e neste mundo? E por quê?

Das muitas respostas possíveis para essas perguntas, talvez valha destacar uma, hoje em dia comovente, a de que se trata de alguém que recusa obsessivamente —a partir desses excessos, dos riscos e dos erros— as certezas e os silenciamentos. O escritor luta para manter viva a conversa.

Estruturado em três grandes partes, “O Corpo no Mundo”, “O Corpo no Corpo” e “O Corpo na Imaginação”, o “Atlas” tem alguns “heróis” mais constantes entre as dezenas de referências que explicitamente mobiliza nas suas descrições –Wittgenstein, Bachelard e Barthes; Robert Musil, Maria Gabriela Llansol e Clarice Lispector.

Na parte inicial do texto (“O Corpo no Método”), em que apresenta o projeto, originalmente uma tese de doutorado, ressalta o espanto, a hesitação, o acaso.

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Na sua ambição quase anacrônica, não é um livro que se possa resumir, nem que se precise ler em ordem.

As três palavras do subtítulo (“Teoria, Fragmentos e Imagens”) dão a impressão de impor para quem enfrenta o desafio um assunto —a “teoria”, assim, solta e singular, sem especificações, a indicar o amplo escopo do “mapeamento” desse corpo que (ao, menos por enquanto) ainda pensa e fala, sente e inventa—, uma lógica —a do “fragmento”, de algo que não tem começo ou fim e que permite as mais variadas sequências de leitura— e um complemento, o das imagens, das fotografias do coletivo de artistas Os Espacialistas, presentes em praticamente todas as páginas do volume, criando atritos e ruídos, transformando e ampliando a conversa.

No prólogo de um outro “Atlas”, publicado há mais de 30 anos, Borges, de cuja “família”, assim como Perec ou Calvino, Gonçalo M. Tavares parece fazer parte, afirma que não há “nenhum homem que não seja um descobridor”.

Ao trilhar tantos caminhos (e se perder por tantos outros), o escritor angolano confirma e expande a impressão e, como seu antecessor, mas de modos diferentes, também ilumina os desvios, os atalhos, as ruas sem saída.

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