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Renato Terra

'Storm Video' retrata locadora que resiste em tempos de streaming

Rotina do estabelecimento em Copacabana mostra revolução do modo de consumir filmes e outras mídias

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Renato Terra

Roteirista do Conversa com Bial e diretor dos documentários 'Narciso em Férias', 'Eu Sou Carlos Imperial' e 'Uma Noite em 67'. Trabalhou na revista piauí até 2016 e foi o ghost-writer do 'Diário da Dilma'

Storm Video

  • Onde Disponível no Globoplay
  • Classificação Livre
  • Produção Brasil, 2021
  • Direção Samuel Valladares
  • Duração 53 min

"Não trate de assuntos generalizados: você pode escrever um artigo sobre os correios, mas deve fazer um filme sobre uma carta." Este é o primeiro item da lista escrita pelo cineasta Alberto Cavalcanti em 1948.

E esse é o mérito de "Storm Video", um documentário que se passa exclusivamente dentro de uma locadora de filmes. Mas está tudo ali. Não só a crônica de um modelo de negócio que foi suplantado pela tecnologia. Também estão ali as relações humanas, as relações de classe, de trabalho. A inevitável decadência que vem com a passagem do tempo. O desgaste diário de uma rotina repetitiva em que quase todos estamos inseridos.

Carlos Augusto, diretor da locadora 100% Vídeo, analisa estande com DVDs em uma de suas lojas, na Lapa, em São Paulo - Renato Stockler - 17.jan.2006/Folhapress

A locadora é uma das últimas que estão abertas no Rio de Janeiro. Zé Carlos, seu dono há 25 anos, trabalha sozinho, quase sempre de camisa regata. Não tem mais condições de pagar funcionários. Sylvio, que trabalhava como entregador, continua frequentando a locadora todos os dias.

Cercados por DVDs, CDs e livros por todos os lados, Zé Carlos e Sylvio se revelam personagens extraordinários. É linda a cena em que Sylvio, o ex-entregador, pede para o dono da locadora colocar a trilha sonora de "Paris, Texas". "Olha o vibrato. É um som divino", diz Sylvio. Zé Carlos, que não abandona a posição de patrão, pede pra voltar no noticiário. Sylvio insiste. "Ouve o baixo que ele mesmo faz no violão." Inquieto e um tanto cético, Zé Carlos pergunta: "Essa música te leva às lágrimas?". Sylvio consente com a cabeça e dedilha um violão imaginário.

Vez por outra, um cliente aparece. Zé Carlos tenta entender qual filme a pessoa está procurando. Os diálogos revelam as relações humanas que se perderam por trás dos algoritmos dos streamings. A escolha das palavras, a troca de olhares, o tom de voz, a relação entre cliente e vendedor estão ali. Outras vezes, com o telefone fixo colado no ombro, Zé Carlos lê sinopses dos filmes para os clientes. Para o bem e para o mal, o filme capta uma rotina de hábitos anacrônicos. Sem fazer juízo de valor.

"Storm Video" nos faz pensar na revolução que estamos atravessando. As imagens das conversas jogadas fora, do tempo dilatado, sem a ansiedade das redes sociais, do acúmulo de DVDs se contrapõem ao próprio streaming no qual o filme é exibido. Tudo ali tem um significado, um cheiro, uma lembrança. E a cena final, primorosa, consegue reunir todos esses elementos.

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