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Kyle Buchanan

Oscar 2021 foi um fiasco e provou que modelo é falho, mas tem conserto

Queda brusca na audiência da última cerimônia ofereceu lições úteis sobre o que não fazer

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Kyle Buchanan
The New York Times

O cliente dele estava tendo uma noite excelente. Ele, um dos mais importantes agentes de imprensa de Hollywood, deveria estar empolgado. Mas naquela noite de abril deste ano, enquanto o soturno programa do Oscar continuava a perder audiência, ele me mandou uma mensagem de texto sobre a cerimônia "mais que terrível", e comentou que "todo o país parece ter desligado a TV".

Mais tarde, quando a cerimônia entrou em seu último bloco, que incluía uma esquete cômica flopada e uma mancada na revelação do melhor ator, recebi mais uma mensagem dele: "Isso pode matar o Oscar. Foi ruim a esse ponto".

A cerimônia do Oscar, assim como esta estátua, precisa de um polimento para recuperar seu brilho - Frederic J. Brown/AFP

As críticas ao programa foram quase tão negativas, e os índices de audiência revelados no dia seguinte foram horrendos —a audiência caiu em mais de 50% ante o ano anterior, com apenas 10 milhões de espectadores nos Estados Unidos, o total mais baixo desde que a audiência do Oscar começou a ser registrada.

Pensei bastante na queda de audiência, e naquelas mensagens pessimistas, nos meses transcorridos desde o Oscar, e com a chegada de uma nova temporada de premiações.

Existe muita empolgação em Hollywood no momento, porque as estreias e as cerimônias podem ser realizadas com público de novo, e os filmes que disputam prêmios parecem muito maiores. Mas por trás dos sorrisos que as pessoas ostentam, detecto alguma ansiedade, como se existisse uma pergunta que todos hesitam em fazer. E se tudo isso levar a um programa do Oscar que ninguém vai assistir?

Acho que ajuda que o formato tenha voltado ao de dez filmes indicados para melhor filme, o que garante que uma amostragem mais ampla de títulos seja indicada, e os elogiáveis esforços da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para diversificar seu quadro de membros devem resultar em uma lista de indicados menos sem noção.

Mas todos esses esforços podem se provar infrutíferos se a audiência do programa voltar a encolher de maneira tão severa. Depois que a mais recente cerimônia abalou a reputação e os índices de audiência do Oscar, eis quatro coisas que a academia deveria fazer para resolver o problema.

Contratar um apresentador

As três últimas cerimônias de Oscar transcorreram sem um mestre de cerimônias, o que continua a parecer uma oportunidade desperdiçada. O apresentador certo pode atrair espectadores para o programa e criaria momentos memoráveis e virais. Parte do motivo pelo qual o Globo de Ouro estava reduzindo sua desvantagem em relação ao Oscar era sua aposta em apresentadores brilhantes como Ricky Gervais e a dupla incomparável de Tina Fey e Amy Poehler.

Apresentar o Oscar costumava ser um dos trabalhos mais prestigiosos de Hollywood, mas nos últimos dez anos o programa parece determinado a desperdiçar esse privilégio. Houve o fiasco de James Franco e Anne Hathaway (uma ideia que poderia ter funcionado com um texto melhor e um parceiro mais engajado para Hathaway), muita bajulação quando Neil Patrick Harris e Seth McFarlane foram os apresentadores, e dois programas consecutivos apresentados por Jimmy Kimmel, que parecia claramente desinteressado.

Desde 2018, quando Kevin Hart cancelou sua participação como apresentador por se recusar a pedir desculpas por piadas ofensivas aos gays, a cerimônia decidiu abrir mão de um apresentador.

Mas se o Oscar está tão ansioso para encher de conteúdo blockbuster uma premiação que muitas vezes celebra pequenos filmes independentes, por que não convidar apresentadores do mundo dos filmes de alto orçamento? Eu preferiria ver Dwayne Johnson e Emily Blunt apresentando o Oscar do que em um filme como "Jungle Cruise", e é divertido imaginar o que uma dupla Marvel conhecida pelo senso de humor aguçado, como Paul Rudd e Simu Liu, poderia fazer.

Mas temo que o Oscar jamais vá restaurar a posição de apresentador, agora, porque o programa é mais curto sem ele. Quanto a isso...

Mais curto não quer dizer melhor

Em sua busca incessante por encurtar o programa do Oscar, a rede ABC e a Academia fariam bem em lembrar de algo: o que importa não é a duração do programa, mas sim a maneira como o programa usa o tempo.

Por que não aproveitar a gigantesca reputação do Oscar e encher cada canto do programa de atrações empolgantes? Continuo a achar absurdo que os comerciais não tragam trailers de filmes, tratados como os comerciais do Super Bowl. Imagine quanta gente assistiria se os comerciais prometessem um primeiro vislumbre da continuação de "Pantera Negra", para começo de conversa.

Quando o programa é cortado muito ferozmente, resta menos tempo para os momentos humanos verdadeiros que todos queremos ver. E esses momentos não vêm apenas dos discursos de agradecimento, aliás.

Eu frequentemente me lembro com carinho do Oscar de 2009, apresentado por Hugh Jackman, no qual cinco antigos ganhadores do Oscar apresentaram os prêmios das categorias de atuação. Foi uma maneira adorável de prestar homenagem à história do Oscar, e os indicados ficaram todos claramente comovidos com o tributo. Aquele programa foi 11 minutos mais longo do que o de abril deste ano, mas eu prefiro aqueles 11 minutos a quase tudo que vi no Oscar mais recente.

Restaurar os trechos de filmes e as apresentações musicais

Um dos motivos para o Oscar deste ano parecer tão terrivelmente entediante foi que quase todos os trechos de filmes foram cortados do programa. Para espectadores casuais que assistem ao programa sem ter visto a maioria dos indicados, assistir a um trecho do filme cria torcida. Com base nos vislumbres de interpretação e de arte, a pessoa pode fazer uma aposta sobre quem vencerá. E quando eu assistia ao Oscar na infância, os trechos de filmes ofereciam uma amostra de mundos, vidas e pessoas que eu não conhecia até ali. Eles são essenciais.

O programa deste ano também transferiu as apresentações dos indicados ao prêmio de melhor canção para o pré-show, o que extrai diversos dos momentos de maior energia do programa principal. (Você consegue imaginar aquele desempenho incandescente de Lady Gaga e Bradley Cooper em "Shallow" transferido para o pré-show, dois anos atrás?)

Já que havia canções originais de Beyoncé e Billie Eilish na disputa este ano, o Oscar seria tolo em não aproveitar as apresentações delas ao máximo. E se os trechos de filmes e apresentações musicais tornarem o programa longo demais, já está mais do que na hora de tirar os curta-metragens da transmissão.

Fazer as pazes com a nova realidade do Oscar

Depois de dizer tudo isso, há um limite para o que Oscar pode fazer para deter o declínio de sua audiência. As pessoas simplesmente consomem mídia de outro jeito hoje em dia, e muitas residências e espectadores mais jovens deixaram de lado a TV a cabo, e consomem todos os seus programas de TV via serviços de streaming.

Mas a atração essencial do Oscar persiste. É o único programa de premiação que gera tantos comentários, e as narrativas que surgem do programa —de vitórias completamente sem precedentes como a conquista do Oscar de melhor filme por "Parasita" a um momento cultural como o movimento #OscarsSoWhite— continuam a influenciar nossa cultura.

Foi algo que vi no ano passado, quando Steven Yeun, astro de "Minari – Em Busca da Felicidade", se tornou o primeiro americano de origem asiática indicado ao prêmio de melhor ator, e quando Chloé Zhao, diretora de "Nomadland", se tornou a primeira mulher não branca a conquistar o Oscar como melhor diretora. Embora esses filmes não tenham sido grandes sucessos de bilheteria, suas conquistas circularam de forma viral nas redes sociais.

Esse tipo de engajamento prova que continua a existir uma audiência imensa, mas que cada mais frequentemente acompanha a premiação via Twitter, YouTube e TikTok. Se a academia quer atrair todos esses espectadores para o seu programa, terá de se esforçar mais para conquistar sua atenção. A despeito dos muitos tropeços recentes, as pessoas não perderam o interesse pela ideia do Oscar. É o programa do Oscar que precisa ser reformado.

Tradução de Paulo Migliacci

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