Bárbara Wagner e Benjamin de Burca apresentam Brasil às avessas em Nova York

Dupla de artistas ocupa o New Museum ao mesmo tempo em que lança um filme no Masp

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Lúcia Guimarães
Nova York

Estreia nesta sexta, 26, no Masp "Fala da Terra", a nova videoinstalação dos artistas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, dupla que tem sua primeira retrospectiva americana, em Nova York.

O trabalho é uma colaboração da fotógrafa brasileira e do artista plástico alemão com o Coletivo Banzeiros —um grupo de teatro criado por membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no Pará. Formado em 2016, o acampamento anual do grupo é feito no mesmo local onde ocorreu o massacre de Eldorado de Carajás, em 1996.

"Os artistas fazem este trabalho que tem o lado documental, etnográfico e uma relação com diferentes personagens há dez anos," diz Guilherme Giufrida, do Masp. "'Fala da Terra' é uma evolução, porque eles se posicionam de maneira mais contundente diante da violência e da desigualdade do Brasil. Mostram de que lado estão, quando antes documentavam com distância a pluralidade do país."

São obras como as que ocupam o terceiro andar do New Museum, de Manhattan, na exposição "Cinco Vezes Brasil", que vai até 16 de outubro. Além do novo vídeo, a mostra da dupla que representou o Brasil na Bienal de Veneza de 2019 tem quatro outras obras.

"Faz que Vai", de 2015, explora as performances de quatro dançarinos de frevo, contrapondo tradição e o contemporâneo. Em "Estás Vendo Coisas", de 2016, Wagner e Burca examinaram o cenário da música brega no Recife.

O Pernambuco rural aparece em "Terremoto Santo", de 2017, que mergulha no universo da música gospel produzida por jovens pastores evangélicos. E no celebrado "Swinguerra", de 2019, o casal de artistas encontra os participantes de competições de dança na periferia do Recife.

Em entrevista, Bárbara Wagner e Benjamin de Burca endossam a avaliação de Giufrida. "Quando começamos a pesquisa para 'Fala da Terra' procurávamos uma noção de luta," diz a artista. "E vimos como a arte se tornou uma ferramenta da militância do MST."

"Eles utilizam o teatro como um despertar para a opressão," diz Burca, confirmando a influência no Teatro do Oprimido de Augusto Boal.

Em conversa por videoconferência, Bernardo Mosqueira, o cocurador da mostra do New Museum, junto com Margot Norton, explicou a intenção do título "Cinco Vezes Brasil". "Os trabalhos tratam do espectro da cultura brasileira, que pode ter gospel, brega, movimentos sociais, percebe que o país desafia categorias."

No processo que levou a "Fala da Terra", eles adaptaram para uma versão de 17 minutos uma peça do repertório dos Banzeiros, "Por Estes Santos Latifúndios", do colombiano Guillermo Maldonado. "Mas a adaptação," Wagner deixa claro, "foi toda feita pelo coletivo".

"Uma das coisas mais estimulantes sobre o trabalho deles é que eles complicam o processo," diz a curadora Margot Norton. Uma constante na produção de Burca e Wagner é, ela diz, "a atenção sobre os produtores de cultura considerados amadores".

Benjamin de Burca, por ter sido criado na mais igualitária Alemanha, diz que chama atenção a distinção de classe no Brasil, em que as pessoas com menos agência social podem deferir o poder de representação a quem tem status social.

Há uma história de artistas que examinam o impacto da própria presença na representação dos personagens que escolhem. O cineasta Eduardo Coutinho foi o mestre do gênero no Brasil, desde "Cabra Marcado para Morrer", de 1984.

Já o britânico Terry Gilliam, do Monty Python diz que "O Homem que Matou Dom Quixote", de 2018, vinha de uma culpa da filmagem de "Em Busca do Cálice Sagrado", de 1975, numa vila na Escócia. Depois do filme, os locais enfrentaram consequências destrutivas.

Wagner e Burca, no entanto, não caem de paraquedas nas comunidades. Colaborar de um lugar privilegiado é o desafio para quem quer abrir passagem para a expressão sob o radar dos guardiões da cultura.

A estreia de "Fala da Terra", a semanas da eleição presidencial, é importante para Giufrida, embora ele deixe claro que a colaboração foi acertada antes da definição do trabalho com o coletivo do Pará.

"Este é o filme que tem que ser mostrado no momento do Brasil, na avenida Paulista," diz. No dia 20 de setembro, o Masp vai ser anfitrião de uma conversa online do público com participação de Bárbara Wagner, Benjamin de Burca e membros do Coletivo Banzeiros, que será mediada pelo curador.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto dizia que o Coletivo Banzeiros foi criado por membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto. O correto é Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Além disso, o texto afirmava que o Masp recebe os artistas para uma conversa online no dia 19 de setembro, mas o evento será no dia 20. O texto foi alterado.

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