Descrição de chapéu Cinema Festival de Veneza

'Ruído Branco', de Noah Baumbach, abre o Festival de Veneza sem receber aplausos

Diretor de 'História de um Casamento' adapta Don DeLillo em filme morno que não sabe criticar a sociedade americana

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Veneza (Itália)

Nem calorosa, nem fria. O Festival de Veneza deu a largada à sua 79ª edição com um filme que teve recepção morna pelos jornalistas. "Ruído Branco", do americano Noah Baumbach, não repetiu a performance de seu "História de um Casamento", que havia cativado crítica e público na festa veneziana há três anos, garantindo presença no Oscar de 2020.

A comédia dramática da Netflix apresentada em Veneza nesta quarta-feira foi a primeira produção de um serviço de streaming a abrir um festival de grande porte. O longa traz Adam Driver como um professor universitário especializado em Adolf Hitler. A disciplina que ele ministra se chama, galhofeiramente, "Nazismo Avançado".

Adam Driver em cena do filme "Ruído Branco", de Noah Baumbach
Adam Driver em cena do filme 'Ruído Branco', de Noah Baumbach - Divulgação

Ele é casado com uma mulher interpretada por Greta Gerwig que é viciada num antidepressivo ainda em fase de testes. Sua família inclui ainda quatro crianças, entre elas uma adolescente mal-humorada e um nerd obcecado por definições enciclopédicas.

Um acidente com um caminhão carregado de produtos tóxicos vira uma ameaça aos habitantes da pequena cidade em que o casal vive. A fumaça forma uma nuvem radioativa que, acreditam eles, pode matar prematuramente quem se aproxima. O personagem de Driver pensa que pode ter sua vida abreviada por isso.

A história se passa nos anos 1980, com os cabelos frisados e as roupas coloridas tão característicos da década. "Eu era um adolescente na época. Foi um período de formação para mim", disse Baumbach em entrevista coletiva. "O filme é uma história sobre a cultura americana e de viver cercado por ela."

A obra é baseada no livro homônimo de Don DeLillo lançado em 1985, e quem leu o romance diz que o material de fato traz uma observação crítica da sociedade americana de classe média de fins do século 20.

A adaptação de Baumbach até preserva o aspecto analítico, mas só até certo ponto. É um filme mal controlado, que nunca parece estar muito certo do que tem a dizer —ou, ao menos, de como dizer aquilo que o diretor pretende transmitir.

Ao mostrar as crises existenciais e o pânico de morrer do casal americano branco e de vida confortável, o longa não reserva tanto espaço a uma verve ácida como o quanto dedica de condescendência aos personagens. Baumbach parece mais fascinado por eles do que crítico.

A família é falastrona, algo bagunçada e por vezes alheia ao mundo real, mas se mostra sempre "adorável" —e tentar fazer filmes com personagens "adoráveis" tem sido a grande tônica da obra de Baumbach até aqui, sobretudo quando sua mulher, Gerwig, faz parte do elenco.

Talvez "História de um Casamento" tenha chegado a um nível de qualidade superior ao resto da obra do cineasta justamente porque fugia a essa regra. Os personagens eram o que eram, em seus defeitos e qualidades.

Mas, em "Ruído Branco", o diretor volta a querer que o público fique encantado com a sua criação, com aquelas pessoas amalucadas, mas demasiadamente humanas. Falta, no entanto, força emotiva, carisma, apesar das boas performances. O longa-metragem resulta falho, incompleto, sem ser divertido como prometia nem ácido como poderia. A primeira sessão terminou sem aplausos ou vaias.

Para além da estreia, o festival vem particularmente farto de longas em língua inglesa. Isso tem acontecido desde meados da década passada, quando o evento se cristalizou como o primeiro do calendário cinematográfico a lançar filmes competitivos na temporada do Oscar.

Nos últimos dez anos, quatro dos ganhadores da estatueta dourada estrearam mundialmente em Veneza, mas neste ano a anglofilia chega a chamar atenção —da disputa pelo Leão de Ouro, quase metade dos longas (um total de dez, o dobro do ano passado) é falada em inglês.

Além disso, pela primeira vez a festa tem entre seus principais convidados o diretor da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, Bill Kramer, o que reitera a lua de mel entre Veneza e o Oscar. Por um lado, os italianos se garantem nos holofotes. Por outro, os americanos mostram sua política de internacionalização da Academia.

Se os Estados Unidos continuam a todo vapor no festival, a Rússia, país com tradicional bom trânsito no evento, sofre profundamente os efeitos da Guerra da Ucrânia. Só uma coprodução envolvendo o país foi incluída, e fora de competição —ainda assim, um filme sem financiamento estatal do governo Putin.

Já a pátria de Volodimir Zelenski, de indústria cinematográfica bem mais modesta, emplacou quatro produções. A mostra já se manifestou oficialmente contrária aos ataques russos ao território ucraniano.

Outra posição política veneziana se faz mostrar na inclusão de "No Bears", do iraniano Jafar Panahi, na competição oficial. O diretor está preso em seu país desde que se manifestou publicamente contra o encarceramento de outros colegas cineastas. Veneza também já se posicionou oficialmente contra sua detenção, com um flash mob em defesa de Panahi previsto no tapete vermelho na próxima semana.

O Brasil, desta vez, não tem filme algum em Veneza, o que retrata tanto a crise produtiva nacional pós-pandemia e da era Jair Bolsonaro quanto também a tradicionalmente precária interlocução entre promotores do nosso cinema e a mostra italiana.

Entre os outros longas que disputam o Leão de Ouro estão os novos trabalhos de cineastas como o americano Darren Aronofsky, a britânica Joanna Hogg e o mexicano Alejandro Iñárritu. O júri presidido pela atriz Julianne Moore divulgará os vencedores em cerimônia no final da semana que vem.

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