Broadway perde metade do público que tinha antes da pandemia de Covid

O receio é de que o vírus esteja intensificando a queda nas vendas e o declínio do modelo de assinaturas

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Michael Paulson Javier C. Hernández
The New York Times

Patti LuPone, Hugh Jackman e Daniel Craig voltaram para a Broadway. A diva norueguesa em ascensão Lise Davidsen levou sua voz penetrante para o Metropolitan Opera. Bailarinos encheram palcos, sinfonias reverberaram em salas de concertos, companhias de teatro internacionais retornaram aos palcos dos Estados Unidos.

A retomada das apresentações ao vivo após a longa paralisação imposta pela pandemia trouxe muitos motivos para alegria nos últimos 12 meses. Mas muito menos pessoas do que o esperado compareceram para compartilhar essa alegria.

Durante a temporada que terminou recentemente, menos da metade do público normal, de antes da pandemia, assistiu a um espetáculo na Broadway. O público pagante do Met Opera caiu para 61% da capacidade do teatro, sendo que antes da pandemia atingia 75%. Muitos teatros regionais dizem que as vendas de ingressos caíram nitidamente.

Billy Porter e Stark Sands no musical da Broadway "Kinky Boots", em 2013
Billy Porter e Stark Sands no musical da Broadway 'Kinky Boots', em 2013 - Sara Krulwich/NYT

"A atração magnética dos sofás das pessoas foi maior do que eu, como produtor, havia previsto", diz Jeremy Blocker, diretor-gerente do New York Theater Workshop, o teatro off Broadway que desenvolveu "Rent" e "Hadestown". "Durante a pandemia as pessoas se acostumaram a não sair de casa. Vamos enfrentar essa tendência por alguns anos ainda."

Muitos produtores preveem que as bilheterias menores vão se estender até a próxima temporada e possivelmente mais além. E alguns receiam que o vírus esteja intensificando tendências de longo prazo que já preocupavam as organizações artísticas havia anos, incluindo a queda nas vendas de ingressos para muitos eventos de música clássica, o declínio do modelo de assinaturas para a venda de ingressos de muitas organizações de artes cênicas e a tendência crescente dos consumidores de comprar seus ingressos na última hora.

Algumas instituições já estão fazendo ajustes para a próxima temporada. Depois de ver seu público médio cair para 40% de sua capacidade na última temporada, contra 62% na temporada de 2018 e 2019, a Baltimore Symphony Orchestra cortou dez concertos de sua programação.

Ao mesmo tempo que boa parte do país procura ultrapassar a pandemia, o coronavírus continua a afetar o comportamento das plateias, atrapalhando a Broadway, que antes da pandemia estava em franca expansão, e intensificando os problemas de orquestras e companhias de ópera que já enfrentavam dificuldades antes.

Alguns líderes do setor artístico notam a apreensão ainda presente entre alguns potenciais compradores de ingressos sobre a possibilidade de contrair o coronavírus. "Há bolsões consideráveis de pessoas, alguns dos quais coincidem com nosso público principal, que ainda hesitam em sair para espaços públicos", afirmou Oskar Eustis, diretor artístico do Public Theater, em Nova York.

Outro fator que não tem ajudado é a demora de profissionais em retornar para o trabalho em escritórios do centro das cidades, onde se situam muitos espaços de entretenimento. "Ainda não estamos vendo todo mundo que víamos antes vindo para assistir a um show depois do trabalho", comenta Aidan Connolly, diretor-executivo do Irish Arts Center, que encena espetáculos de música, dança e teatro no espaço no Midtown de Manhattan —e que levou muito tempo sendo construído e acabou sendo aberto no meio da pandemia.

Mas existem exceções, e elas revelam que atrações grandes ainda conseguem atrair plateias.

Alguns revivals na Broadway vêm sendo grandes sucessos de bilheteria. Entre eles, a comédia conjugal "Plaza Suite", de Neil Simon, que ofereceu aos fãs a oportunidade rara de ver o casal na vida real Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick contracenando no palco; "The Music Man", com Hugh Jackman, uma atração tremenda; e "Into the Woods", musical de Stephen Sondheim que vem deixando as plateias em êxtase. "Fire Shut Up in My Bones", o primeiro trabalho de um compositor negro a ser encenado pela Metropolitan Opera, lotou o teatro graças à divulgação boca a boca.

E a indústria dos concertos, que atrai um público mais jovem que muitos outros setores das artes cênicas, vem tendo resultados positivos. A produtora de eventos Live Nation informou recentemente ter vendido 100 milhões de ingressos para o ano inteiro, mais que em 2019.

Mas sucessos dispersos e shows lotados podem desviar as atenções da realidade de que, para a maioria das instituições e dos espetáculos teatrais e clássicos, a plateia foi reduzida, os preços de ingressos estão baixos, há menos produções que antes e o público que é sócio ou assinante diminuiu.

Alimentado pela demanda reprimida, o otimismo inicial pós-lockdowns foi moderado por onda após onda de novas variantes do vírus, que suscitaram preocupações de saúde e motivaram várias faltas de artistas e cancelamentos de espetáculos.

"Estávamos otimistas no verão passado, quando a vacina primeiro apareceu e todo o mundo estava pensando ‘que ótimo’, e ‘vamos lá!’", comentou Adam Siegel, diretor-gerente do Lincoln Center Theater, espaço sem fins lucrativos em Nova York. "Mas a Covid mostrou que ainda não tinha desistido de nos atormentar. Não foi uma temporada de reabertura pós-pandemia, mas durante uma pandemia, e é claro que o comparecimento do público foi fraco."

Um estudo recente de 143 organizações de artes cênicas americanas feita pela firma de análises TRG Arts concluiu que o número de ingressos vendidos caiu 40% na temporada de 2021 e 2022 em comparação com antes da pandemia, e que a receita de ingressos caiu 31%.

A firma atribuiu a queda a vários fatores, incluindo as preocupações com o coronavírus e a mudança de hábitos em relação a assistir a eventos ao vivo. Outro fator observado pelo estudo é o envelhecimento das plateias de música erudita.

"O maior problema é que a pandemia ainda não acabou", disse Peter Gelb, gerente geral da Metropolitan Opera, que não precisou cancelar a temporada passada. "Acredito que nosso público está presente –só que parte dele ainda está hibernando."

O Carnegie Hall encerrou a temporada com nível médio de público de 88%, contra 93% antes da pandemia, mas conseguiu isso em parte por promover menos concertos —cerca de 115, comparados com 170 pré-pandemia.

A New York Philarmonic chegou ao fim da temporada com capacidade média de 90%, mas isso foi com um ano enxuto de 80 concertos, sendo que em um normal são 120 –e muitos dos shows foram apresentados em espaços menores porque o David Geffen Hall, a "casa" da orquestra, está passando por uma reforma. Com o novo Geffen Hall previsto para abrir as portas neste outono, a Philharmonic disse que suas vendas de assinaturas já estão aumentando.

Não são apenas as artes cênicas que viram seu público encolher. Os cinemas ainda não recuperaram seu público de antes da pandemia. Com menos lançamentos, a receita das bilheterias americanas este ano, até agora, está 31,2% abaixo do mesmo período de 2019, segundo a Comscore. As partidas de beisebol da Major League vêm atraindo menos torcedores que antes da pandemia.

Para as organizações de artes cênicas, a queda de público tem um custo.

"Foi um ótimo ano em termos artísticos", d Barry Grove, produtor-executivo do Manhattan Theater Club, destacando que os três espetáculos na Broadway da companhia sem fins lucrativos foram sucessos de crítica. "Mas financeiramente falando, a história foi outra —apesar de todo o sucesso artístico, as vendas de assinaturas e ingressos isolados caíram quase um terço. Isso é muito."

A Broadway oferece a prova mais evidente e marcante da queda de público e suas consequências econômicas. Durante a temporada de 2021 e 2022, que começou devagar e atrasada, houve 6.860 apresentações, vistas por 6,7 milhões de pessoas e que renderam US$ 845 milhões. Já em 2018 e 2019, a última temporada completa antes da pandemia, houve 13.590 apresentações. Elas foram vistas por 14,8 milhões de pessoas e renderam US$ 1,8 bilhão.

"Há menos turistas, menos pessoas mais velhas e poucos grupos. E a outra coisa cuja importância não podemos subestimar é que as pessoas ainda estão trabalhando remotamente", disse Sue Frost, produtora principal de "Come from Away", musical sobre o 11 de Setembro, inesperadamente otimista, que estreou em 2017. "Não sei quando isso vai mudar."

"Come from Away" estava indo bem antes da pandemia, mas está previsto para fechar em outubro —pouco após o encerramento de "Dear Evan Hansen", cuja sorte também mudou para pior após o lockdown. Mesmo longe da Broadway, os números geralmente indicam uma queda.

"Eu estaria mentindo se dissesse que estou satisfeito", afirma Brian Kelsey, diretor-gerente do Peninsula Players Theater, em Door County, no estado de Wisconsin, uma região que é um destino popular para férias no centro-oeste americano. "Não sei se as pessoas perderam o hábito, se não sabem que os espetáculos estão de volta, ou se a clientela atual está mais interessada em tomar cerveja ao ar livre –só sei que o público está menor."

O prejuízo financeiro é real. Algumas companhias sem fins lucrativos faliram, mas isso está contido, porque muitas organizações, tanto comerciais quanto sem fins lucrativos, receberam assistência financeira importante do governo federal.

Também porque doadores, em muitos casos enriquecidos por um mercado acionário que estava em alta no auge da pandemia, intervieram para socorrer as organizações de artes. Mas agora as verbas federais secaram, Wall Street anda volátil, a inflação está alta e há instabilidade política no país e no mundo.

Todos esses fatores são motivos de preocupação.

Há alguns aspectos positivos. As instituições culturais se dizem orgulhosas do trabalho que produziram nesta última temporada e também do simples fato de terem produzido. E elas têm sido forçadas a tentar desenvolver novas maneiras de encontrar plateias.

"Seria um equívoco apenas se concentrar em tentar restaurar algo que existia antes da pandemia, porque nosso mundo mudou de maneiras fundamentais", diz Mark Hanson, presidente e executivo-chefe da Baltimore Symphony.

Então o que vai acontecer daqui em diante? Líderes do setor das artes dizem que estão se conformando com o fato de não saber. O risco de adoecer gravemente com Covid parece estar muito menor que no início da pandemia, mas o perigo de os negócios normais serem interrompidos permanece grande, porque as infecções continuam a motivar cancelamentos periódicos. E não está claro quando as plateias de artes vão voltar aos níveis anteriores à pandemia, nem sequer se isso vai acontecer.

"Não tenho a ilusão de que bastará estalarmos os dedos", afirma Siegel, o diretor-gerente do Lincoln Center Theater. "Vai levar o tempo que for preciso."

Grove, o produtor executivo do Manhattan Theater Club, concorda. "Tenho certeza que as coisas voltarão como antes", ele diz. "Mas não estou mais fingindo que sou profético o suficiente para dizer quando isso vai acontecer."

Tradução de Clara Allain

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