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Artes Cênicas

'Ópera dos Três Vinténs' no Theatro São Pedro é madura e ecoa Sganzerla

Alexandre Dal Farra dirige encenação profunda do texto de Bertolt Brecht e Kurt Weill em palco em forma de lixão

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Ópera dos Três Vinténs

  • Quando Qui. (8) e sáb. (10), às 20h; dom. (4 e 11), às 17h
  • Onde Theatro São Pedro - r. Barra Funda, 171, São Paulo
  • Preço R$ 15 a R$ 80
  • Classificação 16 anos
  • Autor Bertolt Brecht e Kurt Weill
  • Elenco Rodrigo Esteves, Lina Mendes e Luisa Francesconi
  • Direção Ira Levin e Alexandre Dal Farra

"O universalmente humano nada mais é, segundo Brecht, do que a máscara de uma situação histórica, que é suficiente miserável para justificar a vontade de sua transformação." A síntese de Dahlhaus atesta como, por volta de 1930, o dramaturgo Bertolt Brecht e o compositor Kurt Weill revolucionaram a linguagem da ópera ao provocarem um produtivo curto-circuito entre os seus elementos constitutivos.

Em cartaz no Theatro São Pedro, a "Ópera dos Três Vinténs" é o título mais conhecido e celebrado dessa parceria. Ao contrário do drama musical romântico, em que as artes individuais tentavam cooperar entre si sem contradição, em Brecht e Weill música, texto e drama se cruzam, de forma que "o estranhamento tornará o ordinário extraordinário".

'Ópera dos Três Vinténs', em cartaz no Theatro São Pedro
'Ópera dos Três Vinténs', em cartaz no Theatro São Pedro - Reprodução

A montagem ecoa a produção, em 2021, de uma outra parceria entre o texto de Brecht e a música de Weill, "Os Sete Pecados Capitais". Assim como no ano passado, a direção cênica é de Alexandre Dal Farra e a direção musical de Ira Levin.

Ambientada no submundo londrino na época da coroação da rainha Vitória, a ópera segue a história do casal Peachum, que controlava "empresarialmente" os mendigos da cidade, e de sua filha, Polly, que se casa com o mega-malandro-criminoso Mac Navalha, o qual, por sua vez, é parceiro do policial corrupto Tiger Brown. O famoso final –feito mais para rir do que para chocar– escancara a fragilidade da arte diante da vida.

Dal Farra realiza uma encenação profunda e madura. Com poucos elementos, o palco em forma de lixão, em que corpos são desovados com naturalidade, homenageia também a "economia visual" de Antunes Filho, cuja histórica montagem de "Macunaíma", em 1978, estreou, justamente, no Theatro São Pedro.

Essa menor "densidade visual" –em comparação a "Os Sete Pecados"– sublinha matizes musicais de Weill, e magnifica o texto de Brecht. A alternância entre as partes faladas em português (em adaptação livre do texto) e as canções (no original alemão, com legendas) funcionou perfeitamente, e para tanto contou com um elenco sintonizado, em alto nível de interpretação vocal e teatral.

É bom ter de volta aos palcos brasileiros o barítono Rodrigo Esteves —que interpreta Mac—, protagonista de algumas das melhores montagens de ópera na primeira metade da década passada, ao lado de Lina Mendes —Polly—, Luisa Francesconi —Jenny—, Manuela Freua —Lucy—, Homero Velho —Peachum— e Johnny França —Tiger—, todos ótimos. Juliana Taino merece menção especial pela qualidade e força de sua interpretação de Ms. Peachum.

Mauro Wrona canta a canção mais conhecida, "A Balada de Mac Navalha" —que conhecemos na famosa adaptação de Brecht por Chico Buarque na "Ópera do Malandro" ("O malandro, na dureza / Senta à mesa do café / Toma um gole de cachaça /Acha graça... E dá no pé").

"O Sistema Solar é um lixo", escreve Dal Farra em uma das faixas estendidas pelos atores no ato final, em referência à frase repetida por Helena Ignez no filme "Sem Essa, Aranha", de 1970. Ele também estende a dimensão do palco com beleza e leveza, levando música e ação pela plateia, para cima e para trás, do fundo ao alto do teatro.

E o enigmático balão negro –símbolo da memória nazista no filme "A Mulher de Todos", de 1969, também de Sganzerla, cuja cena inicial fora literalmente projetada por Dal Farra em sua montagem de Brecht-Weill no ano passado— agora sai do palco, circula livremente pelo público, que se diverte.

Papéis jogados sobre a plateia restam amassados no chão, como lixo. Neles está impressa a célebre conexão entre ressentimento, vingança, dor e paixão extraída de "A Genealogia da Moral", de Friedrich Nietzsche, que diz muito sobre os tempos de hoje.

"Eu sofro, alguém tem culpa. Alguém deve ser a culpa do meu mal-estar." A afirmação do filósofo explica, de algum modo, a tal doença de Polly, que faz andar a ópera.

Nesse ponto Dal Farra dá uma volta por cima sobre Brecht-Weill: os atores (incluindo homens com vestes femininas) carregam o nome Polly estampado em seus figurinos. Não seremos (todas, todos, todes) Polly?

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