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Cinema celebra vitória de Lula e diz que Bolsonaro foi zero à esquerda na cultura

Diretores e produtores se animam com Ministério da Cultura, mas acreditam que normalizar produção será tarefa árdua

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São Paulo

Após quase quatro anos na mira do governo federal, o setor do audiovisual recebeu, em grande parte, com alívio a notícia da vitória de Lula contra Bolsonaro, no segundo turno deste domingo.

Mas se por um lado há expectativa de que a produção de filmes e séries seja normalizada após uma condução letárgica da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, há quem expresse temor pela necessidade de uma contrapartida social nos projetos aprovados a partir de agora.

Fachada da sede da Ancine, no Rio de Janeiro - Lucas Tavares/Folhapress

É o que dizem cineastas e produtores na manhã seguinte à vitória do petista nas eleições. Não é segredo que o grosso da classe artística estava alinhada a Lula nos últimos meses, mas, passado o furor da vitória, o audiovisual parece estar ciente de que restabelecer o setor será uma tarefa hercúlea e demorada.

Segundo Anna Muylaert, diretora de longas como "Que Horas Ela Volta?" e "Alvorada", sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, há expectativa em especial pela prometida recriação do Ministério da Cultura, extinto por Bolsonaro, e pela "retomada da máquina que é a Ancine".

"Há vários filmes produzidos e não lançados, porque a agência estava paralisada. Pelo que vimos das gestões anteriores da cultura nos governos do PT, acho que em cerca de um ano a situação já estará avaliada, pronta para ser reestruturada. É preciso voltar àqueles investimentos em descentralização da produção, em quantidade, em distribuição, em técnica e numa tradição cinematográfica que levou o Brasil para grandes festivais", afirma.

Muylaert lembra ainda a importância da Condecine, contribuição que financia a atividade cinematográfica do país e que Bolsonaro planejava cortar do plano orçamentário de 2023. É do mecanismo que vem quase todo o dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual, o FSA, e é ele, portanto, que viabiliza boa parte da produção cinematográfica do país.

Uma descontinuidade do governo Bolsonaro foi vista justamente como um fôlego extra para quem trabalha no setor, já que agora é pouco provável que a Condecine, criada nos anos FHC mas mantida e atualizada nos governos petistas, seja extinta.

Segundo Marcelo Braga, produtor de "A Menina que Matou os Pais", há certeza no setor de que, a partir de agora, será traçada "uma grande força tarefa para sua recuperação". "Não será tão simples, precisaremos de alguns anos para voltar ao patamar que tínhamos conquistado, mas juntos encontraremos formas de retomar editais, políticas públicas e tudo mais", diz ele, que foi à avenida Paulista comemorar a vitória lulista na noite de domingo.

Kleber Mendonça Filho, que levou o Brasil a Cannes com "Bacurau", destaca que a cultura esteve sob ataque desde o que chama de "golpe de 2016", quando Dilma Rousseff foi destituída do mais alto cargo do país. "Mas tenho certeza que no novo governo Lula ela será reconectada com a volta do Ministério da Cultura, cuja extinção é uma das muitas vergonhas desse atual governo", diz.

"A presença da cultura brasileira no mundo é a melhor representação do nosso país. Esses últimos seis anos viram também mudanças importantes que aguardam uma organização inteligente do setor no Brasil. O audiovisual precisa ser regulado como tem acontecido na Europa."

Mendonça Filho se refere à exigência de boa parte do setor para que o mercado de streaming seja regulamentado no Brasil. Muitos concordam que a chegada de plataformas como a Netflix e a HBO Max nos últimos anos foi essencial para que o audiovisual não parasse sob Bolsonaro, graças ao investimento privado e estrangeiro, mas acreditam que há necessidade de apresentar leis e mecanismos de arrecadação próprios a ele.

Bruno Barreto, diretor de "Dona Flor e Seus Dois Maridos", faz coro ao pedido, mas acredita que um dos desafios do novo governo Lula será não ceder à tentação de regulamentar o setor logo de cara. Segundo ele, é necessário esperar mais alguns anos para entender melhor o comportamento dessas plataformas, para aí sim se entregar "à ansiedade do PT de querer regulamentar as coisas antes de elas acontecerem".

"O fato é que o governo Bolsonaro foi um zero à esquerda na cultura, isso é algo indiscutível. Mas ele também herdou problemas que já vinham dos anos do PT, como essa travada na Ancine, que já ia ocorrer, fosse quem fosse. O PT transformou uma agência reguladora em fomentadora, então virou um monstro, uma coisa distorcida. O Bolsonaro aproveitou o problema para cruzar os braços, mas a Ancine agora precisa voltar ao que era, o FSA precisa sair de lá", diz o cineasta, que conta ter votado em Simone Tebet no primeiro turno e, "é óbvio", em Lula no segundo.

Também conhecido no meio por ter uma visão mais crítica à esquerda, Josias Teófilo, que gravou os documentários "O Jardim das Aflições", sobre Olavo de Carvalho, e "Nem Tudo se Desfaz", sobre a movimentação da direita que culminou na eleição de Bolsonaro, acredita que "Lula vai fazer tudo o que o Bolsonaro não fez".

"Ele vai fazer o FSA e os editais voltarem a funcionar. Pelo menos a área vai voltar a funcionar. Eu não gosto muito da qualidade das obras que foram feitas com esses editais, porque você tem que pôr uma contrapartida social nos filmes, o que eu acho que é alheio à arte, é algo negativo. Mas o PT sabe gerir a área. O audiovisual sempre foi dominado pela esquerda e isso não vai mudar. Agora eles estão mais em casa."

Ele ainda chama de censura a decisão do TSE de proibir a exibição de um documentário da produtora direitista Brasil Paralelo antes da eleição e espera que "coisas lamentáveis como essas não aconteçam" no novo governo.

Procurada pela reportagem para comentar a vitória de Lula nas eleições, a produtora de séries como "Os 11 Supremos", que apresenta uma visão crítica à atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, enviou uma nota em que destaca seu apartidarismo e a não utilização de dinheiro público em suas obras.

"Em relação à mudança de governo, foi a decisão da maioria da população. Cabe às instituições respeitarem. Permaneceremos trabalhando na linha cultural, produzindo conteúdos de qualidade e sendo defensores da liberdade de expressão, com informações responsáveis e checadas, como sempre fizemos", informa ainda a nota da Brasil Paralelo.

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