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Disco com músicas de dom Pedro 1º vale mais que o coração no formol

Composições do imperador ganham tratamento inédito, primando pelo zelo histórico apesar de valor estético duvidoso

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São Paulo

Menos morbidez, mais arte. Mais saudável do que sair no encalço do coração de dom Pedro 1o é conhecer a parte de sua produção que nosso primeiro monarca realmente destinou à exibição pública —a música.

Pois, a exemplo do inglês Henrique 5o, do prussiano Frederico, o Grande e do russo Ivã, o Terrível, o imperador lusitano dedicava-se às artes de Euterpe. Gravações com intenções muito superiores ao mérito artístico já haviam sido feitas, mas agora, com a Filarmônica de Minas Gerais, finalmente há registros profissionais das partituras.

Detalhe da tela ‘A Sagração e a Coroação de D. Pedro I’, de Jean-Baptiste Debret.
Detalhe da tela "A Sagração e a Coroação de D. Pedro I", de Jean-Baptiste Debret - Divulgação

O disco faz parte de "A Música do Brasil", iniciativa coordenada pelo Itamaraty de gravação e distribuição internacional do repertório brasileiro de concerto pelo selo Naxos. A largada foi dada em 2019, justamente pela orquestra mineira, que encantou o planeta com um registro caprichadíssimo de obras orquestrais do compositor cearense Alberto Nepomuceno.

No volume 11 da coleção, os comandados do maestro Fabio Mechetti portam-se com igual qualidade – destacando-se, mais uma vez, o refinado fraseado das madeiras. O coro Concentus Musicum de Belo Horizonte é uma boa surpresa, e o quarteto solista, formado por vozes brasileiras —Carla Cottini, soprano, com a parte do leão; Luiza Francesconi, mezzo; Cleyton Pulzi, tenor; e Licio Bruno, baixo-barítono—, desincumbe-se com brio da linguagem operística das obras.

Afinal, o Rio de Janeiro de 200 anos atrás era uma cidade sob o jugo estético do italiano Gioachino Rossini, cujas óperas constituíam o cerne do Real Teatro de São João, réplica Teatro de São Carlos, de Lisboa, inaugurado em 1813 para dar ares de Versalhes tropical à capital de um reino europeu deslocada no hemisfério Sul.

O disco inclui, a propósito, a "Abertura" na tonalidade maçônica de mi bemol maior que seria apresentada no Teatro dos Italianos, em Paris —e que soa como uma paródia das aberturas de Rossini.

Em suas saborosas notas de programa ao disco, Rosana Lanzelotte conta que o compositor italiano, mais tarde, usaria essa execução parisiense, por ele patrocinada, como pretexto para escrever a dom Pedro 2o, pedindo-lhe o envio de um pouco do "café tão célebre de vosso país", em memória do talento musical de seu pai. Há ainda o "Hino da Independência do Brasil", e duas obras sacras: um "Credo" e um "Te Deum".

Anteriormente gravado, o "Credo" soa como excessivamente breve e funcional. Já o "Te Deum" —que recebe agora sua primeira gravação mundial— surpreende por ter algo mais de fôlego, e seções um pouco melhor desenvolvidas. Ambos, de qualquer forma, soam como música operística em texto sacro —bem dentro da estética rossiniana.

Os Bragança eram uma dinastia musical pelo menos desde o rei da casa a governar Portugal, dom João 4o, compositor e autor de tratados teóricos. Ao fugir para o Brasil, em 1808, dom João 6o, pai de Pedro 1o, trouxe consigo os cantores e instrumentistas que faziam da Real Capela lisboeta um dos melhores agrupamentos musicais da Europa.

Estes eram os virtuoses que dom Pedro 1o tinha à disposição no Brasil para executar suas partituras. Obviamente, sua produção não tem como ombrear com a da trinca de grandes compositores ativos no Rio de Janeiro de seu tempo: o luso Marcos Portugal, seu professor de composição, cujas óperas eram encenadas em diversas cidades europeias; o austríaco Sigsmund Neukomm, discípulo de Franz Joseph Haydn; e o padre negro carioca José Maurício Nunes Garcia, brilhante e pessoal síntese do bel canto italiano praticado por Portugal e do classicismo germânico propagado por Neukomm.

Afinal, como já ressaltou o musicólogo Ricardo Bernardes, dom Pedro 1o era um diletante, que se dedicava à música com um interesse apaixonado, porém em nada exclusivo. Longe de constituírem obras-primas, suas criações, graças ao capricho de Mechetti e da Filarmônica de Minas Gerais, podem agora ser conhecidas e devidamente aquilatadas como documentos de um período decisivo da história de nosso país.

Dom Pedro 1º: Te Deum, Credo do Imperador e Outras Obras

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