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Osesp volta ao país e brilha ao tocar música sacra contemporânea

Em obras de Stravinsky, Haydn e Martin, coro foi o protagonista no concerto da orquestra, agora sem diretor artístico

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São Paulo

Osesp - Stravinsky, Haydn e Martin

Brilho artesanal e contemplação. Após a bem-sucedida turnê pelos Estados Unidos, onde predominou a energia vibrante do repertório brasileiro, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, retornou à sua temporada regular na Sala São Paulo nesta quinta-feira (27) com um programa dedicado a Igor Stravinsky, Frank Martin e Joseph Haydn.

Com dificuldades de locomoção devido a um entorse no tornozelo, Thierry Fischer, o regente titular, só assumiu o programa na segunda parte. A programação teve direção de William Coelho na longa seção inicial com a participação do Coro da Osesp.

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O regente Thierry Fischer - Marco Borggreve/Divulgação

Não deveria ser necessário ter de retornar à metafísica da música do século 19 para justificar a independência da música instrumental perante teatro, vídeo e literatura, mas em tempos em que a manifestação sonora rapidamente é espremida como mera "trilha", e relegada como secundária no mundo da cultura, nunca é demais ressaltar o papel autônomo da pura linguagem dos sons como condutora de ideias e afetos.

E, se as nossas temporadas de ópera ainda oscilam em quantidade e qualidade, os concertos sinfônicos —não apenas os da Osesp, mas igualmente da Cultura Artística, que trouxe nesta mesma semana a incrível Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen— têm protagonizado, ao longo dos anos, algumas das mais memoráveis experiências sonoras aqui em São Paulo.

A "Sinfonia em Três Movimentos", de Stravinsky, que fechou o programa, retoma em grande estilo —e com extraordinário apuro de escrita— o jogo brutal de acentuações não regulares sobre figuras pulsantes de sua "Sagração da Primavera", de 1913. Na sinfonia, piano e harpa se revezam na amarração de blocos sonoros justapostos.

A qualidade principal da performance dessa obra foi a primorosa equalização. Fischer se comunica muito bem com a orquestra, trabalha em alto nível a sonoridade, e a tendência é que a sincronia dos ataques evolua ainda mais em precisão ao longo dos concertos de sexta (28) e sábado (29).

Com o humor fino e o jogo incessante de surpresas que caracterizam a sua personalidade artística, Haydn evoca, em sua "Sinfonia nº 22", apelidada de "O filósofo", um diálogo improvável entre corne inglês, instrumento de madeira com palheta dupla, e trompa, do naipe dos metais, que travam um debate sem falsas acusações, em que perguntas são sempre respondidas —e onde os mediadores, as cordas graves, nunca precisam oferecer "direitos de resposta" fora de contexto.

O ponto alto do concerto foi, no entanto, a primeira parte, em que cada seção da "Missa para Dois Coros", do suíço Martin, foi alternada com as respectivas partes da "Missa para Coro e Duplo Quinteto de Sopros", também de Stravinsky.

Compor uma missa significa tomar as partes fixas do ritual latino —Kyrie, Glória, Credo, Sanctus e Agnus Dei, em geral— e usar o texto milenar como base para uma música autoral. Depois, podem entrar, na composição, técnicas contemporâneas, ironias, dúvidas e até mesmo devoção espiritual.

Martin faz uma música que descende verticalmente, ou mesmo sai de dentro para fora de nós; Stravinsky, por seu turno, parte da terra e tenta se elevar, sem medo de fracassar no intento. Martin adentra as entranhas das palavras, conta o que se passou "antes de todos os séculos"; Stravinsky extrai do texto uma beleza estranha, que precisa dos instrumentos para se concretizar.

O Coro da Osesp, que também participou da turnê americana, encheu a Sala São Paulo de beleza, com variações muito sutis de timbre e intensidade, até o derradeiro "dai-nos a paz" do "Agnus Dei" final.

Ao longo dos últimos 13 anos, o público da Osesp se habituou à presença do diretor artístico Arthur Nestrovski nos concertos. Nesta mesma quinta-feira foi anunciado —de forma honrosa, porém súbita e inesperada— que ele deixou o cargo, em mudança de governança que causa apreensão. Sua ausência fez parte do concerto.

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