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'A literatura é uma arma', afirma o escritor Geovani Martins em mesa na Flip

Autor, que se projetou com histórias das favelas cariocas, diz ainda que escreve para combater a injustiça contra periferias

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Paraty (RJ)

O escritor carioca Geovani Martins, morador da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, que se projetou no meio literário com histórias da comunidade em que vive, diz que torce o nariz sempre que sugerem que a literatura representa, para jovens como ele, uma porta para a cidadania.

"A literatura para mim é uma arma", disse ele nesta sexta-feira, durante uma das mesas da programação principal da Flip. "É a forma com que consigo lutar para quebrar o ciclo da exploração e as ideias que foram pré-fabricadas sobre jovens como eu, negros, favelados."

O escritor Geovani Martins em sua mesa na Flip
O escritor Geovani Martins em sua mesa na Flip - Divulgação

Martins estreou há quatro anos com a coletânea de contos "O Sol na Cabeça" e lançou neste ano o primeiro romance, "Via Ápia", sobre o impacto da ocupação da Rocinha por forças policiais, que durou de 2011 até 2013, na vida de cinco jovens moradores da favela.

Vestido de branco da cabeça aos pés e mexendo sem parar nas tranças do cabelo, ele contou que o sucesso financeiro alcançado com o primeiro livro, escrito em meio a dificuldades e empregos precários, permitiu que tivesse condições muito melhores para produzir o romance.

"Quando escrevia os contos, eu tinha preocupações muito urgentes", disse. "Com o novo livro, pude respirar e pensar." O escritor afirmou que se virava com trabalhos que pagavam R$ 100 por semana e agora recebe ofertas de cachês de R$ 1.000 para falar em eventos literários.

Ele dividiu o palco da Flip com a americana Ladee Hubbard, cujo romance "A Talentosa Família Ribkins" acaba de ser lançado no Brasil. O livro conta a saga de uma família negra em que todos são dotados de habilidades extraordinárias e atravessa décadas da história americana.

Questionada sobre a comparação usada por Martins ao definir a literatura como uma arma, ela disse preferir ver o ofício como uma "arma defensiva", que deve ser usada para que vozes silenciadas ou ignoradas sejam ouvidas e se abram espaços de diálogo amplos na sociedade.

Seu livro é dedicado ao avô, que foi professor de química, parente que a fez entender o valor da educação desde cedo e serviu de modelo para o personagem principal do romance. "Ele me ensinou que ninguém pode tirar de você o que você tem na sua cabeça", disse Hubbard.

Martins defendeu a legalização das drogas no Brasil e apontou políticas de combate ao tráfico, que considera equivocadas, como as principais responsáveis pelas taxas elevadas de mortes violentas de jovens negros e pelo crescimento da população carcerária do país.

"A proibição às drogas é a desculpa perfeita que o Estado usa para se eximir de responsabilidade no combate à miséria que leva tanta gente ao desespero e às drogas", afirmou o escritor. "A gente se embrutece muito, todo dia é uma merda, uma chacina."

Ele lembrou com indignação a destruição de um memorial erguido na favela do Jacarezinho em homenagem a 28 pessoas mortas pela polícia em maio do ano passado, na operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. A própria Polícia Civil destruiu o memorial neste ano.

"No Brasil, o Estado também exerce a função de apagar a nossa memória", disse Martins, citando uma conversa recente que teve com Julio Ludemir, idealizador da Flup, a Festa Literária Internacional das Periferias. "Meu livro é uma coisa que a polícia não vai destruir."

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