Na Flip, autor critica forma como modernistas de 1922 retratavam negros e índios

Allan da Rosa diz que elite nunca enfrentou as desigualdades, enquanto que Eduardo Sterzi defendeu Mário de Andrade

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Paraty (RJ)

Chamado a participar de uma mesa da programação principal da Flip para debater o legado da Semana de Arte Moderna de 1922, o escritor e historiador Allan da Rosa manteve os óculos escuros no rosto até terminar sua fala inicial, na manhã desta sexta-feira.

"Vamos falar da 'modernagem'", ele começou. "Eu acho que é muito aplique, muito xaveco." Lembrou que um dos movimentos que inspiraram os modernistas, o surrealismo, buscava nos sonhos elementos para a produção artística e acrescentou "eu imagino os pesadelos".

obra
'Retrato de Mário de Andrade', pintura de Tarsila do Amaral de 1922 - Reprodução

Negro, agitador cultural na periferia de São Paulo, Rosa vê os modernistas de 1922 como filhos de uma elite paulista que nunca enfrentou as contradições entre o discurso modernizador e as desigualdades sociais que marcam a sociedade brasileira.

Ele criticou a forma como os modernistas representaram negros e indígenas em suas produções. "O que enojava passa a ser um sinal de diferença positiva, desde que muito bem tutelado, desde que seja enquadrado, seja lapidado, seja considerado menos brutal", argumentou.

Rosa dividiu o palco com Eduardo Sterzi, professor de teoria literária da Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas, estudioso do modernismo. Coube a Sterzi, que é branco, defender o legado de autores como o escritor Mário de Andrade e buscar conciliação.

O professor recorreu ao show histórico feito pelo rapper Emicida há dois anos no Theatro Municipal de São Paulo, palco da Semana de Arte Moderna de 1922. "Foi uma ocupação do espaço pela cultura negra contemporânea, mas ele não fez tábula rasa disso", afirmou Sterzi.

Ele lembrou que o músico incorporou ao show um trecho do prefácio escrito por Mário de Andrade para os poemas de "Pauliceia Desvairada" e citou um poema de Oswald de Andrade. "A ideia ali era retomar o modernismo, mas para dar outro sentido a ele agora", disse Sterzi.

Mediadora da mesa, a professora Eneida Leal Cunha, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, citou escritos em que Mário de Andrade descreveu sua perplexidade ao assistir rituais religiosos negros numa viagem a Minas Gerais e pediu a opinião de Rosa.

"São movimentos valorosos, na sua intenção de pesquisa estética perene, mas apresentar isso como princípio de um pensamento nacional é quase risível", disse Rosa, olhando para a plateia com ironia. "É desconsiderar outros projetos de nação que sempre foram escanteados."

Sterzi considerou injustas as cobranças sofridas por Mário de Andrade. "Ele nunca teve pretensão de fazer um discurso único, sempre foi muito atento a tudo que ocorria", afirmou. "Foi um autor fundamental, e assim vamos acabar jogando fora a criança com a água do banho."

Rosa reconheceu a importância do modernista, mas disse que tem mais interesse no confronto do que na conciliação com seu legado e lembrou que Lima Barreto, escritor negro que morreu em 1922, ignorado pelos modernistas, só ganhou lugar no cânone literário décadas depois.

Ao encerrar o evento, em que o público ocupou menos da metade dos assentos no auditório principal da Flip, Eneida constatou o impasse entre os debatedores e buscou a síntese possível. "A Semana de Arte Moderna nos legou um imaginário em que estamos entrelaçados e segregados no Brasil."

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