Descrição de chapéu
Televisão

'Copenhagen Cowboy' é um culto cafona à grife Nicolas Winding Refn

Série da Netflix serve para criador ampliar limites de sua marca, mas só agrada em lisergia aos mais fanáticos por sua obra

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Copenhagen Cowboy

  • Onde Disponível na Netflix
  • Elenco Angela Bundalovic, Andreas Lykke Jørgensen e Li Li Zhang
  • Produção Dinamarca, 2023
  • Criação Nicolas Winding Refn

"Copenhagen Cowboy" abre o piloto com uma mulher sendo esganada em um abatedouro de porcos e termina o mesmo episódio com o berro em primeiro plano do assassino em fúria. Entre elas, há um momento em que ouvimos um homem sendo espancado, com guinchos de suínos no lugar das interjeições humanas de dor.

Essas três cenas antecipam o caráter frontal da série, a nível de semiótica. Mas não que quem resolva assistir à produção esteja esperando algo diferente. Sua franqueza também é exprimida na posição central do criador, Nicolas Winding Refn.

Cena de 'Copenhagen Cowboy'
Angela Bundalovic em cena de 'Copenhagen Cowboy', da Netflix - Magnus Nordenhof J/Netflix

Escrita e dirigida pelo cineasta dinamarquês para a Netflix, o programa transmite a energia de um culto pelo artista na chave de entrega sob demanda que se acostumou a esperar do streaming. A apreciação dessa vez estaria inscrita na adesão antecipada dos ritos, sem brecha a novatos.

Essa percepção está na expansividade da premissa do seriado sobre os gêneros que ocupa. A história parte do neonoir com toques de sobrenatural acompanhando uma garota chamada Miu, papel de Angela Bundalovic, vista pelo submundo do crime dinamarquês como milagreira. Parte de uma organização, ela no começo é contratada pelo chefe de um bordel para ajudar sua mulher a engravidar.

Tal posição da protagonista é o que logo amplia a trama a outros estilos de contação, em especial porque Miu não é a jovem inocente e indefesa que todos acreditam que seja. A narrativa passa a ser convertida a lógicas de toda a sorte, incluindo filmes de luta e —há quem diga— o faroeste, a partir de um arco de vingança da personagem sob o sistema.

De constante, "Copenhagen Cowboy" mantém dois pontos. O primeiro é a estética neon e limpa, anunciada por Refn a todo momento em manobras de câmera —entre panorâmicas em 360 graus e planos estáticos e longos— e de montagem —as dissoluções de imagem. A segunda é o viés narrativo de misandria, que detecta nos abusos do corpo e espírito feminino a semente do revanchismo de Miu.

O restante acontece pela imprevisibilidade, sobretudo em como o criador adere ao absurdo para sempre inverter a percepção do espectador.

Já aí se nota o grau de manjado da lógica do programa, mas esta é coerente com a marca construída pelo autor nos últimos anos. Desde que estourou a bolha dos festivais com "Drive", em 2011, Refn migrou a Hollywood disposto a refinar —ou melhor, se acomodar em— um estilo que presume uma estética de impacto, pensada para elevar gêneros tidos como "baixos" do cinema.

Se na telona essa empreitada se revelou um fracasso parcial, vide a má recepção de "Só Deus Perdoa" e "Demônio de Neon", na telinha ele parece ter encontrado um espaço para desenvolver seu projeto.

Dessa forma, "Copenhagen Cowboy" é para Refn menos um retorno às origens —o primeiro trabalho do diretor na Dinamarca em mais de uma década— que uma oportunidade de levar suas obsessões ao limite. Isso não acontece na duração —como foi em sua minissérie anterior, "Muito Velho para Morrer Jovem"—, mas do quanto se pode esticar a trama para englobar todo e qualquer tipo de referência.

Há algo de "enfant terrible" eterno nisso, que define as limitações do cineasta, e a série da Netflix é circunscrita a um grupo inicial de valores que vão a lugar algum. Sobretudo em como os episódios oscilam sem elegância entre estética contemplativa (o piloto deve ocupar nem cinco linhas de trama) e a "burocracia" de avançar uma história televisiva.

Cena de 'Copenhagen Cowboy'
Cena de 'Copenhagen Cowboy', da Netflix - Magnus Nordenhof J/Netflix

É algo que deve agradar os mais fissurados nos aspectos lisérgicos, mas no mais a produção afunda rápido no aborrecimento. As trucagens adotadas por Refn são repetitivas e improdutivas, girando em círculos nos tópicos da temática misândrica, e mais próximo do fim fica clara o quanto o seriado depende da provocação barata, um "ame ou odeie" cafona e pretensamente artístico.

Sobram cenas específicas, em especial aquelas na qual Refn reconhece humor na própria lógica, como a que um grupo de homens discute as possibilidades de um pênis biônico. Mais interessante, porém, é o paralelo que o cineasta parece mover a todo momento com David Lynch, pois dá para ver que "Copenhagen Cowboy" tenta se igualar a "Twin Peaks" no jogo de camadas narrativas.

Mas, como boa parte dos aprendizes do artista, a diferença fundamental que separa as duas séries é que enquanto Lynch vê raciocínio em suas narrativas esotéricas, Refn se perde em intenções rasas dentro de um catálogo de imagens disperso. Coitado do público.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.