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'Triângulo da Tristeza' faz mea-culpa ao debochar de ricos e homens, diz diretor

Sueco Ruben Östlund venceu sua segunda Palma de Ouro em Cannes pela obra, que concorre ao Oscar de melhor filme

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Harris Dickinson em cena do filme

Harris Dickinson em cena do filme "Triângulo da Tristeza", de Ruben Östlund Divulgação

São Paulo

Não é sempre que um filme agraciado com a Palma de Ouro consegue romper a bolha dos festivais europeus e chegar até a corrida principal do Oscar, em especial se a produção não tem raízes americanas. Mas o sueco Ruben Östlund parece ter conquistado status de queridinho na indústria.

Imagem promocional do filme "Triângulo da Tristeza", de Ruben Östlund
Imagem promocional do filme "Triângulo da Tristeza", de Ruben Östlund - Divulgação

Assim, comprou sua passagem para o mais seleto clube do cinema dito "de arte" e também para a mais exclusiva rodinha daquele comercial, para a meca de Hollywood. Com "Triângulo da Tristeza", que estreia agora no Brasil, ele não apenas embolsou o prêmio máximo do Festival de Cannes, como também chegou a três disputas do Oscar –filme, direção e roteiro original.

É um feito e tanto, principalmente se considerarmos que apenas cinco anos antes Östlund já havia recebido uma outra Palma de Ouro –o prêmio em dose dupla é raridade– e visto seu "The Square: A Arte da Discórdia" ser indicado ao Oscar de filme internacional.

"Depois de ‘The Square’ eu depositei muita pressão em mim. Havia toda uma expectativa para que meu próximo filme voltasse à competição em Cannes. E então, quando venci a Palma de Ouro novamente, a pressão toda foi embora, porque isso mostrou que o prêmio anterior não tinha sido um equívoco. Sabe, em Cannes o júri muda todo ano, então erros são cometidos", diz o cineasta.

Na Riviera Francesa, em maio do ano passado, "Triângulo da Tristeza" gerou reações fervorosas. Entre os jornalistas e críticos que acompanhavam o evento, as opiniões se dividiram num típico "ame ou odeie", que culminou na vitória anticlimática do longa na competição oficial, à frente do queridinho "Close" e dos carimbados, mas sem Palma, Park Chan-wook e Hirokazu Kore-eda.

Goste ou não, o longa foi o que mais causou burburinho. Normalmente, é esse o tipo de filme, vendido como transgressor e impactante, que sai com força de festivais cabeçudos. E "Triângulo da Tristeza" não poupou esforços para se destacar no mar de títulos selecionados pela comitiva liderada por Thierry Frémaux.

De uma escatologia latente, um humor que beira a galhofa e recheado de alfinetadas nada sutis, ele mais parece uma amálgama de várias histórias dentro de um roteiro só. Quem conduz a narrativa é o casal formado por Harris Dickinson e Charlbi Dean –morta repentina e misteriosamente em agosto–, que chega a dar raiva de tão belo que é.

Os dois, afinal, vivem personagens que são modelos profissionais, e é com os gomos delicadamente esculpidos no abdome do ator britânico que "Triângulo da Tristeza" abre. Num teste para uma campanha de publicidade, Dickinson passeia por uma sala sob os olhares pouco impressionados do que parecem ser figurões da indústria fashion.

Pouco depois, a câmera chega a um paredão envelopado por peitorais e tanquinhos nos mais diversos tons de pele, até focar nos semblantes dos personagens, que se alternam entre o sorriso bobo que se espera de uma marca de moda popular e o olhar perigosamente sexy de uma Balenciaga.

É assim que "Triângulo da Tristeza" entrega sua vocação para o humor esdrúxulo e também a origem de seu nome –a forma geométrica faz alusão a uma parte do rosto que denuncia a idade, concentrando rugas e marcas de expressão acumuladas entre o nariz e as sobrancelhas.

Foi dos exageros e excentricidades da indústria da moda que Östlund tirou a ideia para a trama, enquanto observava o trabalho de sua mulher, fotógrafa na área. Seus relatos sobre modelos que, em poucos anos, iam do anonimato às capas de revista capturaram a atenção do sueco, que decidiu escrever sobre a beleza enquanto moeda de troca e possibilidade de ascensão social.

Não espere, no entanto, passar muito tempo nas passarelas e em ensaios fotográficos. Logo na sequência, embarcamos com o casal protagonista num iate de luxo, que os admitiu em troca de publicações nas redes sociais da modelo e influenciadora vivida por Dean, infinitamente mais bem-sucedida que o namorado.

Habitado por viajantes super-ricos e sem noção, o barco naufraga, pondo o filme num terceiro e bastante dissonante ato, ambientado numa ilha. É nela que a tal ideia das aparências comprando privilégios fica escancarada, já que relógios Rolex e notas de dólar perdem o lastro num lugar tão inóspito.

Imagine, então, o verdadeiro inferno que se tornará a vida daqueles milionários que não sabem pescar, caçar, cozinhar ou fazer qualquer coisa útil numa situação extrema. Östlund eleva à potência máxima sua crítica aos super-ricos, coroando uma onda de filmes e séries que, recentemente, têm sentido prazer em observá-los em situações vexatórias.

É curioso, no entanto, um diretor da Suécia, inegavelmente bem-sucedido numa indústria que movimenta bilhões, tirar sarro dessa gente ao lado de um elenco que nos últimos meses tem desfilado por tapetes vermelhos em looks glamorosos e obscenamente caros.

"Não acho que seja um problema. Pelo contrário, acho que é justamente isso que devemos fazer", diz o cineasta ao ser questionado sobre a contradição, apontada por muitos dos detratores de "Triângulo da Tristeza".

"Não é um ataque apenas aos ricos, mas a mim. Eu sempre busco retratar situações que confrontam a pessoa que eu sou e a posição que eu ocupo. Eu sou um dos privilegiados desse planeta, e eu quero questionar esse lugar por meio dos meus filmes."

Filho de mãe comunista e criado num ambiente de esquerda, Östlund titubeia ao falar em que espectro político se encaixa. Mas termina dizendo que o "capitalismo desregulado" no qual vivemos hoje é insustentável. Talvez por isso haja tanta gente atacando super-ricos nas telas, de "O Menu" a "The White Lotus".

Há uma nova geração disposta a cutucar essa ferida, diante da crise do clima e dos atentados ao bom senso cometidos por bilionários, diz ele.

"Triângulo da Tristeza" é ainda a conclusão de uma trilogia dedicada a analisar o patriarcalismo e o significado de ser homem, branco e hétero na sociedade de hoje, formada por "The Square" e "Força Maior". "Depois de três filmes eu acho que finalmente processei meu sentimento de vergonha, foi uma terapia", brinca.

É numa catarse cheia de nojeiras que Östlund expurga sua culpa, melhor ilustrada pelo momento em que os personagens do filme, ainda a bordo do iate, vão jantar durante uma tempestade que faz taças de espumante tremerem e vieiras, polvos e ovas de peixe saltarem do estômago dos viajantes de volta aos pratos, numa catarata gráfica de vômitos.

Indigesta, a refeição não caiu bem para muitos dos que viram "Triângulo da Tristeza" onde ele atracou, de Cannes à Mostra de Cinema de São Paulo. Pareceu exagerado, banal, tosco até. Mas para esses críticos, o cineasta sueco tem uma resposta na ponta da língua.

"Eu quero que as pessoas se arrisquem quando decidem ver um filme meu. Eu gostaria de ver meu nome associado a essa imprevisibilidade, porque é para isso que as pessoas vão ao cinema. Então para mim era importante ir muito além do razoável em cenas como essa", afirma, em sintonia com o gosto pelo excesso de seus personagens.

Triângulo da Tristeza

  • Quando Estreia nesta quinta (16), nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Harris Dickinson, Charlbi Dean e Woody Harrelson
  • Produção Suécia, 2022
  • Direção Ruben Östlund
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