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Chris Rock prova que é muito melhor que Will Smith em ótimo especial

Transmitido ao vivo pela Netflix, 'Indignação Seletiva' não deixa polêmica do Oscar tomar conta do programa

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Indignação Seletiva

Quem lembra qual foi o documentário que levou o Oscar do ano passado? E qual foi a atriz premiada? O filme que saiu vencedor do maior prêmio da noite também recebeu o Oscar de melhor direção? Esse é fácil: qual foi o melhor filme de animação?

Difícil, né? A memória da última premiação mais relevante do cinema ficou completamente ofuscada por um episódio de violência física. Depois de dar um tapa em Chris Rock, que caçoou do cabelo de sua mulher, Will Smith voltou à sua cadeira, sem pressa nem nenhuma barreira e gritou para o colega nunca mais falar de sua mulher.

Chris Rock em 'Indignação Seletiva'
Chris Rock em 'Indignação Seletiva', especial de comédia ao vivo da Netflix - Kirill Bichutsky/Netflix

Chris Rock não reagiu. Fez um comentário sobre o inusitado daquele acontecimento, ouviu a gritaria que Will Smith fazia da plateia e seguiu em frente com o que tinha ido fazer naquele palco: entregar o prêmio de melhor documentário para o incrível "Summer of Soul", dirigido pelo músico Questlove.

Pouco mais de 20 minutos depois dessa demonstração de destempero, Will Smith subiu de novo ao palco, desta vez aplaudido de pé pela maioria das pessoas da plateia, quando seu nome foi lido como o melhor ator daquela safra. Fez um discurso emocionado em que não tocou no nome do homem que tinha acabado de machucar e humilhar na frente de milhões de pessoas.

Desde então, Will Smith fez tudo que parecia estar ao seu alcance para ser perdoado por Chris Rock e todo mundo. E lançou um filme, "Emancipation", em que tem o papel principal e um crédito de produtor, e pelo qual sonhava em ganhar seu segundo Oscar consecutivo. Não vai rolar. Ele está vetado pela Academia por dez anos e o longa foi um fracasso de público.

Chris Rock, conhecido por seu humor bélico e inteligente, não disse uma palavra. Não processou, não deu entrevistas, não deixou que o incidente tomasse conta de sua vida.

Mas vingança é um prato que se come ao vivo. No último sábado, à meia-noite, Chris Rock apresentou de Baltimore o segundo especial de comédia contratado pelo canal Netflix —o primeiro, "Tamborine", é de 2018; pelos dois, ele ganhou US$ 40 milhões, o equivalente a cerca de R$ 206 milhões.

Desta vez, Chris Rock sabia que o público estava louco para ouvir seu lado da história, que aquele tapa de Will Smith tinha sido a propaganda gratuita mais valiosa que se podia fazer. O público do Oscar será sempre infinitamente maior que o público de um especial de stand-up, e quanto mais o tempo passava, mais a curiosidade das pessoas parecia devorá-las por dentro.

Will Smith dá um tapa em Chris Rock na cerimônia do Oscar, em 27 de março de 2022
Will Smith dá um tapa em Chris Rock na cerimônia do Oscar, em 27 de março de 2022 - Robyn Beck/AFP

Sempre fui muito fã dos dois envolvidos e acompanhei as carreiras de ambos atentamente. Adoro o humor caótico de Chris Rock, agressivo e cheio de palavrões, mas com uma lógica impecável por trás.

Achava Will Smith um dos atores mais talentosos na ativa, além de um rapper divertidíssimo, cheio de suíngue e um entrevistado dos sonhos, desses que te reconhecem e lembram seu nome na segunda vez que te encontram, mesmo que seja em um grupo com outros jornalistas.

Achava. Para um cara que usava o pseudônimo Fresh Prince, novo príncipe, e que tinha acabado de fazer uma série na internet mostrando como voltou à melhor forma física da vida depois de ter ganhado peso na pandemia (o que aliás não era bem verdade, já que ele ganhou peso para interpretar o papel que lhe rendeu o Oscar), foi tudo bem decepcionante.

Chris Rock é um magricelo de 1,78 metro, que fez uma série na TV contando sua infância pobre no Brooklyn, em Nova York, e batizou de "Todo Mundo Odeia o Chris". Mas o que ele provou nesse especial é que é mais inteligente, mais profissional e mil vezes mais elegante que seu agressor.

Todo de branco, com um colar com o símbolo de Prince no pescoço, num palco todo espelhado e casa cheia, lotada, Chris Rock dominou a noite, instigou a plateia desde a abertura fazendo microinsinuações a respeito do episódio, mas tinha muito mais coisas para dizer do que "Will Smith me bateu e ele é bem fortão".

O especial foi engraçado, com roteiro bem escrito, cheio de energia, e ele estava em plena forma, com o diabo no corpo. Até errou uma piada uma hora, depois consertou e comentou o acontecido, sem perder o timing.

Falou sobre ser solteiro, rico e famoso aos mais de 50 anos, de ter duas filhas muito mimadas, uma das quais ele fez ser expulsa da escola para aprender uma lição, das irmãs Kardashian, de como ganhou muito dinheiro na vida e gastou tudo com mulheres, de como se ele sair com uma mulher e lamber sua bunda, nunca mais vai ligar, mas se derem as mãos é namoro.

Um especial de stand-up é um ato de coragem e que tem um certo perigo. Pode dar errado, pode não ser engraçado, alguém da plateia pode vaiar. Mas Chris Rock não entrou naquele palco para errar. Teve tempo para pensar, ensaiou as piadas em clubes de comédia pequenos em que fez aparições de surpresa nos últimos meses.

Os seis minutos finais, dedicados ao tapa, ato que certamente será lembrado no próximo domingo, quando acontece a cerimônia do Oscar deste ano, não deixaram nada a ser dito nem nenhuma pergunta sem resposta.

A covardia do ato, o que estava por trás dele, as complexidades do casamento de Will e Jada, se doeu, se ainda doía, se ele tinha perdoado (não, ele diz que sempre torceu por Will Smith, mas agora assiste a "Emancipation", em que o ator vive um escravizado, só para vê-lo apanhando).

E foi tudo bem engraçado, o item mais importante de um especial de comédia. Menos a frase final, que responde à pergunta que Chris diz ter ouvido mil vezes desde 27 de março: por que você não revidou? A resposta, que eu não vou revelar aqui, vai doer bem mais que um tapa em Will Smith.

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