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Livro estuda a autoimagem feminina com as Kardashian e Marilyn Monroe

Quadrinista discute a onipresença do Instagram em 'Na Sala dos Espelhos' após pensar a vagina em 'A Origem do Mundo'

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Clara Rellstab
São Paulo

A madrasta da Branca de Neve estaria em maus lençóis caso vivesse no século 21.

Se apenas com o espelho de casa para se comparar com as demais mulheres do mundo ela já vivia em ansiedade e agonia extremas, hoje, com as telas pretas de celulares e computadores, além dos aplicativos de imagens, a feiticeira seria obrigada a dar de cara com o seu reflexo e a consequente cobrança pela beleza ideal em todos os lugares.

Marilyn Monroe
Marilyn Monroe - Reprodução

É quase impossível esquecer que temos um rosto. E mais difícil ainda é não estar imerso numa enxurrada de tantos outros rostos supostamente mais bonitos, bem cuidados e interessantes —não haveria maçã envenenada o suficiente para conter a ameaça provocada pelo outro.

"Antes, havia um monte de situações em que você podia simplesmente esquecer que tinha um rosto. Agora eu estou sendo obrigada a lembrar que ele existe até mesmo enquanto converso com você", diz a quadrinista sueca Liv Strömquist, de 44 anos, em entrevista por videoconferência.

Sua história em quadrinhos mais recente, "Na Sala dos Espelhos: Autoimagem em Transe ou Beleza e Autenticidade como Mercadoria na Era dos Likes & Outras Encenações do Eu", chegou ao Brasil pela Quadrinhos na Cia. O título volumoso é bastante autoexplicativo e tenta responder à pergunta: quando foi que criamos uma relação voyeurística crônica com nós mesmos?

Para dar conta da questão, Strömquist revisita escritos de Susan Sontag, Naomi Wolf, Simone Weil e Eva Illouz —sempre fazendo questão de sinalizar, em notas de rodapé, onde aquela informação foi encontrada, já que, segundo ela, alguns fatos históricos são tão esquisitos que parte dos leitores poderiam interpretá-los como ficção—, mas também a madrasta da Branca de Neve, o mito bíblico de Jacó, o busto de Nefertiti, as Kardashian e Marilyn Monroe.

"Gosto de misturar referências muito populares com as mais eruditas, para que todos possam se sentir incluídos". A apresentadora Xuxa Meneghel recomendou a leitura do quadrinho em sua última participação do Saia Justa, do canal GNT.

Liv Strömquist
A quadrinista Liv Strömquist - Emil Malmborg/Divulgação

Esse é o primeiro trabalho de Strömquist em que ela mesma não é responsável pelas cores dos seus desenhos —a função foi atribuída à também sueca Karin Cirén. As ilustrações, antes majoritariamente em preto e branco, foram substituídas por cores vibrantes e inspiradas pelos perfis das redes sociais.

A paleta de cores do feed da influenciadora digital Kylie Jenner e da sua linha de maquiagem, por exemplo, deram o tom de toda a coloração das páginas em que ela e seu perfil do Instagram são protagonistas.

A verborragia, o fluxo de pensamento caótico e a obsessão por listas e tópicos, no entanto, permanecem irretocáveis.

Essa não é a primeira vez que a autora sueca formada em ciência política se debruça em temas desconcertantes para as mulheres contemporâneas, o que ela confessa ser a sua maior obsessão.

Seu primeiro livro publicado no Brasil, o best-seller "A Origem do Mundo: Uma História Cultural da Vagina ou a Vulva vs. o Patriarcado", tenta entender porquê o as sociedades —em especial os homens— alimentaram ao longo da história uma relação muito esquisita com a genitália feminina.

Depois veio "A Rosa Mais Vermelha Desabrocha: O Amor nos Tempos do Capitalismo Tardio ou por que as Pessoas se Apaixonam tão Raramente Hoje em Dia", que parte do vaivém amoroso do ator Leonardo DiCaprio para inspecionar as engrenagens do amor moderno.

"Ainda não chegou a mim se ele ou uma das suas ex-namoradas leram o livro", se diverte a autora.

Em todos os seus três quadrinhos publicados no Brasil, Strömquistfoge de determinismo e verdades absolutas, tentando trazer o máximo de vertentes e opiniões que conseguiu encontrar nas suas pesquisas —sempre motivadas por inquietações que surgem a partir de ensejos pessoais—, atribuindo ao leitor a função de identificar ele mesmo aquilo que melhor couber em sua realidade.

A autora afirma que o hábito reflete sua própria dificuldade em se decidir por uma visão bitolada da vida e não ter medo de mudar de ideia ao longo de sua jornada.

Liv Strömquist
A quadrinista sueca Liv Strömquist - Emil Malmborg/Divulgação

"É uma forma de ser honesto com as diferentes verdades e com as possibilidades infinitas de conhecimento. Talvez seja um sinal da idade. Eu já escrevi um livro falando que as mulheres tinham de ser mais ‘girlboss’, cheias de si, e em ‘A Rosa Vermelha Desabrocha’, eu falo exatamente o contrário, que também podemos sonhar com o amor romântico".

Heavy user do Instagram, plataforma que recebe mais destaque e críticas em "Na Sala dos Espelhos", a autora usa o seu perfil para divulgar seu próprio trabalho e também imagens de sua vida pessoal —além de fazer visitas periódicas a páginas de influenciadores aparentemente desinteressantes, mas de que não consegue desviar os olhos, enquanto reconhece se tratar de um lugar deprimente e fabricado por algoritmos.

Na sala dos espelhos de Liv Strömquist, os reflexos se apresentam como num caleidoscópio.

Na Sala dos Espelhos - Autoimagem em transe ou beleza e autenticidade como mercadoria na era dos likes & outras encenações do eu

  • Preço R$ 79,90 (168 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Liv Strömquist
  • Editora Quadrinhos na Cia
  • Tradução Kristin Lie Garrubo
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