Descrição de chapéu Festival de Cannes

Drama 'Rapito' vira thriller político com menino judeu adotado à força pelo papa

Contemporâneo de Fellini, Pasolini e Bertolucci, Bellocchio não tenta reinventar a roda ao narrar unificação italiana em Cannes

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Cannes (França)

Em meados do século 19, quando boa parte dos Estados europeus já tinham abraçado o racionalismo das revoluções burguesas, a península itálica ainda estava mergulhada em obscurantismo, regida pelo papado e pelo direito canônico. Às margens, monarquistas liberais, maçons, industriais, nacionalistas e comunistas tentavam esticar a corda.

O caldeirão ideológico do risorgimento, como é conhecido o processo que culminou na unificação da Itália, é um ambiente em que o diretor Marco Bellocchio se sente bem à vontade —seus filmes são grandes crônicas sobre as forças políticas de seu país. Em "Rapito", que disputa a Palma de Ouro no Festival Cannes, ele tem a oportunidade de mergulhar na gênese de seu país.

Cena do filme "Rapito", de Marco Bellocchio, que compete no Festival de Cannes de 2023
Cena do filme 'Rapito', de Marco Bellocchio, que compete no Festival de Cannes de 2023 - Divulgação


Para isso, o cineasta toma como ponto de partida uma história verídica e insólita. Na década de 1850, as autoridades episcopais da cidade de Bolonha arrancaram o menino Edgardo Mortara, de seis anos, das mãos de seus pais, um casal de judeus, o batizaram à força e o levaram a ser adotado pelo próprio papa Pio 9º. O caso teve enorme repercussão e acirrou os ânimos antieclesiásticos do movimento nacionalista.

Bellocchio narra o desenrolar dessa história com ares de thriller político, mas sem abrir mão do núcleo sentimental do drama de uma família que precisa reaver um garoto raptado —o "rapito" do título.

O pequeno Edgardo é aos poucos tragado pela nova religião e vai criar laços com os padres e demais meninos do colégio de catecúmenos. Para tentar resgatá-lo, a família Mortara se vê no meio do jogo de interesses das forças que lutam para unificar a Itália e tirá-la das mãos do papado.

O que une os dois universos narrativos, o do garoto e o de seus pais, é um mundo cercado por liturgias —seja a dos cristãos ou a dos tribunais, para onde o caso é levado. Em ambos os casos, mostra o Bellocchio, estamos num mundo de rituais e mistérios, inacessíveis aos não iniciados.

Entre os diretores que competem ao prêmio principal nesta edição de Cannes, Bellocchio, de 83 anos, é o mais velho. Contemporâneo de grandes nomes da era de ouro do cinema italiano —Fellini, Pasolini, Visconti, Bertolucci— ele não está preocupado em reinventar a roda.

Constrói em "Rapito" um painel denso de seu país e uma obra que pouco deve aos grandes dramas políticos que lançou em décadas passadas, como "Boa Dia, Noite" e "Vincere". Como diz um dos personagens de seu longa, seu mundo é um que "se move em direção ao precipício."

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