Descrição de chapéu
Artes Cênicas

Óperas de Brecht e Weill desbancam heroísmos com libretos didáticos

'Aquele que Diz Sim' e 'O Voo através do Oceano', inédita no país, têm ótima regência e encantam pelo conjunto estético

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

'Aquele que Diz Sim' e 'O Voo através do Oceano'

  • Quando Sex. (12) e sáb. (13), às 20h; dom. (14), às 17h
  • Onde Theatro São Pedro - r. Barra Funda, 171, São Paulo
  • Preço R$ 30 a R$ 100
  • Autoria Kurt Weill e Bertolt Brecht
  • Elenco Manuela Freua, Luciana Bueno, Flávio Leite, Vitor Bispo
  • Direção Ira Levin e Alexandre Dal Farra

O Theatro São Pedro estreou nesta quinta-feira um espetáculo com duas curtas óperas escritas pelo dramaturgo Bertolt Brecht e pelo compositor Kurt Weill —"Aquele que Diz Sim" e "O Voo através do Oceano".

O espetáculo, com récitas diárias até domingo (14), traz como ponto alto a regência do maestro americano Ira Levin, que já foi o regente titular do Theatro Municipal de São Paulo e hoje mora no Brasil. Ele levou a orquestra do teatro a interpretar as duas peças com a sonoridade derivada de suas raízes de Berlim ao final dos anos 1920, na República de Weimar.

Cena de espetáculo com as óperas 'Aquele que Diz Sim' e 'O Voo Através do Oceano', de Kurt Weill e Bertolt Brecht - Heloísa Bortz/Divulgação

Os músicos, com uma partitura que suprimiu as violas, mas previa inesperados saxofones, interpretaram com a precisão de um grande conjunto de câmara. Eles repetem no São Pedro o desempenho, também regido por Levin, dos programas da dupla Brecht-Weill em "Os Sete Pecados", em 2011, e "A Ópera dos três vinténs", no ano passado.

O libreto das duas óperas é simples, construído como prática do didatismo numa época em que Brecht e Weill projetavam extrapolar dos sisudos recintos líricos e conviver com o público expandido do rádio. A linguagem exigia simplicidade.

Em "Aquele que Diz Sim", baseado em um conto japonês, um garoto acompanha seu professor numa longa e acidentada viagem para a obtenção de um medicamento para sua mãe. Mas o jovem personagem adoece com os sacrifícios físicos e precisa cumprir uma profecia: atirar-se de um labirinto por não ter cumprido seu projeto. Ele diz "sim" a esse sacrifício.

A ópera havia sido produzida uma única vez no Brasil, em encenação paulistana de 1960. Estava desde então engavetada.

A segunda peça do programa é inédita e está em sua estreia brasileira. O voo ao qual o título se refere é o grande acontecimento jornalístico de 1927, quando, obtendo êxito num feito em que antes dele dezenas fracassaram, o americano Charles Lindbergh fez em 33 horas um voo solitário sobre o Atlântico. Decolou de Nova York e aterrissou em Le Bourget, pertinho de Paris, com o monomotor Spirit of Saint Louis.

A ópera estreou em 1928. Depois disso, no entanto, Lindbergh se transformou de herói nacional a não-respeitável simpatizante do nazismo, tendo sua boa imagem reconfigurada —o escritor Philip Roth abordou isso em "Complô contra a América".

Pois bem, Brecht, um marxista e na época próximo de Moscou, reescreveu o libreto da ópera e deixou de lado os festejos ao heroísmo inicial do aviador.

A montagem, dirigida por Alexandre Dal Parra, é uma soma bastante original de recursos cênicos relativamente conhecidos. Por exemplo, os 12 cantores do coro —maneira brechtiana de evocar o didatismo do teatro grego— espalham-se pela plateia ou cantam alinhados diante do fosso da orquestra.

Na primeira das óperas esses cantores circulam uniformizados com uma malha escura e a inscrição "little boy" (menininho) em letras claras —menção ao personagem que sai em busca do remédio, mas que pode também simbolizar outras coisas, como o apelido militar da bomba de Hiroshima, que vitimou o país do qual a história é originária.

Um ator empunha uma câmera de vídeo que projeta as cenas sobre um tapume que fecha a parte dianteira do palco. É uma espécie de tela que amplifica as caretas do rosto dos cantores ou a iluminação de lanternas que eles empunham e que provocam um bom efeito de sombras e claridade.

Cantadas em alemão, mas com supertítulos projetados sobre a cena, as duas óperas trazem um belo time de cantores, como Luciana Bueno, Manuela Freua, Vitor Bispo e Anderson Barbosa.

Mais algumas observações: a dupla de alemães que escreveu a música e o libreto foi objeto no passado de um culto que se devia à influência do marxismo no pensamento das esquerdas. Mas isso desapareceu com o colapso do Leste Europeu e o fim de seus modelos políticos. O que acabou por afetar a credibilidade dramática de Brecht e Weill.

O que se vê hoje —e o Theatro São Pedro reflete bem esse clima— é um outro tipo de leitura dessas peças fabulosas do repertório, que nos encantam em termos estéticos e nos fazem pensar.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.