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Brasil retoma negócios em Cannes e vê referências para regulação do streaming

Em meio a negociações internacionais que renderam US$ 18 milhões, governo teme reação negativa das plataformas

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Cannes (França)

O clima geral entre os produtores de cinema brasileiros que participaram do Mercado do Filme, no Festival de Cannes, em maio, foi de retomada após a pandemia e a falta de apoio do governo de Jair Bolsonaro.

O evento paralelo à exibição dos filmes começou poucos dias após a regulamentação da Lei Paulo Gustavo pelo Ministério da Cultura, que vai liberar mais de R$ 3,8 bilhões para estados e municípios —R$ 2,7 bilhões destes para o audiovisual.

Apesar do entusiasmo, dados da última semana apontam que metade dos municípios brasileiros ainda não enviou um plano de ação ao MinC para captar os recursos.

Produtores no estande do Cinema do Brasil, no Mercado do Filme, no Festival de Cannes
Produtores no estande do Cinema do Brasil, no Mercado do Filme, no Festival de Cannes - Reprodução

Em paralelo, o Cinema do Brasil —programa de promoção comercial com financiamento do governo, da Spcine e patrocínio de órgãos como a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, que havia pulado fora durante o governo Bolsonaro— divulgou um panorama dos resultados das 48 firmas brasileiras que estiveram no evento.

A soma dos acordos movimentou US$ 18 milhões, segundo o balanço, com projeção de render até US$ 45 milhões nos próximos 12 meses, a partir de um total de 783 reuniões.

A visão otimista casou com a presença do país nas salas lotadas, seja com o diretor Karim Aïnouz à frente de "Firebrand" na seleção principal —um filme sem produção nacional e que saiu de mãos vazias—, seja em competições paralelas que destacaram longas como "A Flor do Buriti", dirigido por João Salaviza e Renée Nader Messora.

As empresas levaram projetos concluídos, em progresso ou estágio inicial, buscando coprodutores interessados, recursos de fundos internacionais, distribuidores ou a atenção de festivais como os de Berlim, Locarno, na Suíça, e Sundance, nos Estados Unidos.

"Fizemos 12 reuniões, com destaque para encontros com os distribuidores e potenciais coprodutores para próximos projetos", diz Isabella Nader, da Material Bruto, coprodutora de "A Flor do Buriti", premiado na mostra Um Certo Olhar. A empresa foi uma das selecionadas para receber ajuda de custo pelo programa CreativeSP, ligado à secretaria de Cultura de São Paulo.

Já Karen Castanho, da Biônica Filmes, estima ter feito mais de 30 reuniões formais, resultando em pelo menos três apoios encaminhados, dentre eles a entrada de uma empresa tcheca em uma coprodução com a Ucrânia e uma parceria com a França para encaminhar "O Filho de Mil Homens", adaptação do livro de Valter Hugo Mãe. A empresa também vai coproduzir "Invejosos Homens Brancos", de Iván Granovsky, com Argentina, Portugal, Alemanha e Itália.

Dentre outros destaques, a Barry Company fechou com duas coprodutoras, uma da Espanha e outra da França, para a animação "Amigos", dirigida por Gabriel Nobrega, com roteiro de Roger Keesse.

Além das salas de reuniões privadas, os profissionais podiam usufruir de encontros promovidos pelo Cinema do Brasil no estande de 96 metros quadrados —um aluguel que fica na faixa dos R$ 170 mil—, espaço inclusive maior do que de países como a Costa Rica e a Tailândia, mas menor que o da Arábia Saudita, que tem investido pesado no setor após anos sem nem ter salas de cinema no país.

Veterana da comitiva brasileira, Sara Silveira, da Dezenove Som e Imagens, lembra que os negócios vão além do mercado, no subterrâneo do Palácio dos Festivais, e se estendem até as festas. Com 72 anos e 20 edições de Cannes nas costas, ela buscava apoios de fundos internacionais para projetos dos diretores Marcelo Gomes e Juliana Rojas.

"Me sinto como a mão de obra pesada da arte", diz. Apesar do governo simpático à cultura, ela afirma que ainda é preciso cuidado e que ainda é difícil enxergar uma indústria consolidada no país.

A última vez que um filme brasileiro esteve entre as dez maiores bilheterias do Brasil foi em 2019, com "Minha Mãe É uma Peça 3", protagonizado pelo comediante Paulo Gustavo, morto em 2021. Agora batizando a lei que promete dar um gás no audiovisual, o comediante deixa um vácuo entre os ímãs de público do cinema nacional.

Mesmo "Turma da Mônica: Lições", no ano passado, atingiu pouco mais de 540 mil espectadores, bem menos do que os 11 milhões que o comediante conseguiu atrair três anos antes.

"O país precisa de um projeto de isenção para a cultura", defende Marília Marton, secretária de Cultura do estado de São Paulo, citando um excesso de impostos que atravancam a cadeia criativa. Sobre São Paulo, Marton lembra que o estado é responsável por metade do PIB da chamada indústria criativa do país. A secretaria estima que cerca de 1.300 empregos serão gerados a partir das dez produtoras que o governo auxiliou a estar no festival.

Em paralelo, a regulamentação do streaming no país desperta preocupação para o futuro. A secretária do audiovisual, Joelma Gonzaga, teme que as plataformas farão um movimento contrário quando o assunto tomar forma no Congresso.

"O que vimos na PL das Fake News foi um termômetro", diz a secretária à Folha, temendo pressão negativa por parte das plataformas do mesmo jeito que as big techs investiram contra o projeto de lei. Atualmente a secretaria estuda atualizações na proposta para decidir se vai propor um novo regulamento ou uma medida provisória.

Viviane Ferreira, diretora-presidente da Spcine, acredita, porém, que há um medo infundado de que as plataformas sairão correndo do país caso haja regulamentação. "Temos um mercado de 210 milhões de pessoas e temos de reconhecer nosso tamanho. Pode haver uma retração de investimento num espaço curto de tempo, mas temos de entrar no movimento global", diz, lembrando referências internacionais.

Na França, por exemplo, as plataformas precisam destinar de 20% a 25% da renda no país para a criação de conteúdo local. Além da questão financeira, garantir os direitos intelectuais dessas obras é a principal demanda entre os produtores.

"O modelo de negócio do streaming não está dado e não podemos ficar de braços cruzados e não proteger nossa indústria até que o mundo defina o melhor caminho", afirma Ferreira.

Um dos programas que a Spcine destacou durante o evento foi ainda o programa de reembolso de até 30% das despesas para aqueles interessados em fazer gravações em São Paulo. Agora, a cidade tenta recuperar o ritmo do pré-pandemia —foram 1.077 obras feitas em 2019, contra 710 no ano passado, com 17 produções estrangeiras entre elas. Na etapa mais recente do programa de reembolso foi disponibilizado um recurso total de R$ 25 milhões.

O jornalista viajou ao Festival de Cannes a convite da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo

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