Wim Wenders discute obra-prima de Peter Bogdanovich no Cinema Ritrovato

Recém restaurado, 'Na Mira da Morte' tem ideias preciosas de Samuel Fuller e filmagens de outro longa com Boris Karloff

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Bolonha

Entre altos e baixos, o 37° Cinema Ritrovato busca encarar seu crescimento incessante. Comecemos por um baixo bem baixo. Na terça à noite, estava programado no Cine Arlecchino o "Quién Sabe", precioso faroeste de Damiano Damiani, que, por coincidência, é o cartaz do festival.

No mesmo horário devia passar na praça Maggiore, ao ar livre, o clássico do pacifismo "A Harpa da Birmânia", de Kon Ichikawa. Houve uma ameaça de chuva e, um tanto precipitadamente, a direção resolveu passar a sessão da praça para o Arlecchino.

Cartaz do filme 'Na Mira da Morte', de Peter Bogdanovich
Cartaz do filme 'Na Mira da Morte', de Peter Bogdanovich - Divulgação

A decisão causou quase um motim entre quem fazia a fila para "Quién Sabe", pois era a única sessão programada do raro faroeste espaguete. Para completar, era o cartaz do festival! Temos um festival em que o filme do cartaz não vai passar, um paradoxo e tanto.

No dia seguinte, o festival se redimiu ao exibir a recente restauração de "Na Mira da Morte", apresentado por ninguém menos que Wim Wenders na pequena sala Europa. O filme, brilhante estreia de Peter Bogdanovich em 1968, em 2023 é uma obra-prima. Pelo que vemos e não vemos no cinema americano atual.

Wim Wenders conta em detalhes a história do filme. Roger Corman tinha um rabo de contrato com Boris Karloff e ofereceu a Bogdanovich a oportunidade de estrear. Mas com três condições —filmar 20 minutos com Karloff; usar 20 minutos de seu filme "O Terror", o pior de todos os Corman, talvez; e filmar 40 minutos em duas semanas.

Bogdanovich escreveu um roteiro, odiou o que tinha. Desesperado, ligou para Samuel Fuller e disse isso. Fuller respondeu "está maluco?". Ele o chamou à sua casa. Bogdanovich contou a ideia. Fuller respondeu "vamos consertar isso e você vai fazer o filme".

E, conforme contou Bogdanovich a Wenders, Fuller começou a jorrar ideias preciosas. Seria no mínimo um co-roteirista, mas nem quis ter o nome nos créditos. E por isso o personagem que Bogdanovich faz se chama Sam.

É a história de um jovem cineasta, autor de três maus filmes, que agora acredita ter um bom roteiro para usar Orlok, vivido por Karloff, velho ator de horror. Mas o azar bate à porta —Orlok achou uma relíquia e vai se aposentar.

Nisso, um atirador prepara um assassinato em massa no drive-in, com Orlok dentro.

Seria esse o melhor Bogdanovich? Bem, digamos que, embora feito com produção modesta, não envergonharia ninguém. Longe disso, pode ser visto como monumento inaugural da nova Hollywood.

Bogdanovich trabalhou com a Guerra do Vietnã em curso. Mas parece que em sua cabeça estavam mais os atentados horríveis contra a família Kennedy e Martin Luther King. Há portanto guerra, militarismo, gosto por assassinatos em massa, insânia, tudo misturado. No centro, um candidato a assassino que não é nada, não é ninguém, é nulo, uma página de papel em branco.

Daí saem 80 minutos espantosos de um filme, restaurado agora pela Criterion.

Wim Wenders e Gianluca Farinelli, diretor do festival Il Cinema Ritrovato, em sessão de 'Na Mira da Morte', de Peter Bogdanovich
Wim Wenders e Gianluca Farinelli, diretor do festival Il Cinema Ritrovato, em sessão de 'Na Mira da Morte', de Peter Bogdanovich - Inácio Araujo/Folhapress

Seria a única coisa a ressaltar de bom até aqui? O "Applause" de Rouben Mamoulian, de 1929, realmente impressiona pelo diretor armênio, à vontade com a câmera. Mas, admitamos, o grosso da retrospectiva Mamoulian, infelizmente não sugere uma revisão de seu lugar na história do cinema. A peça de museu parece mais ele do que Orlok —ou Karloff, ou Frankenstein.

A série dedicada à roteirista Suso Cecchi d’Amico até aqui trouxe a belíssima e esquecidíssima comédia "Bela e Canalha", do também esquecido Alessandro Blasetti. Primeiro grande papel de Sophia Loren e de Marcello Mastroianni nesse remake —até certo ponto— de "Levada da Breca".

Sim, porque desde que entra em cena Vittorio de Sica, como o grande vigarista —e pai de Loren—, toma conta do filme e vai levando no bico o pobre taxista Marcello.

Sem falar de "A Máscara do Demônio", de 1960, o primeiro e talvez o melhor filme de Mario Bava. O chamado mestre das cores se sai mais que bem no preto e branco.

Há também o praticamente inédito "Um Sonho Mais Longo que a Noite", de 1974. A ele será preciso voltar com calma.

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