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Escritoras da Feira do Livro tentam driblar barreiras do mercado às mulheres

'Um Grande Dia para as Escritoras' reúne fotos de autoras pelo país, inspirado por registro na escadaria do Pacaembu

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São Paulo

"Um Grande Dia Para as Escritoras" é um retrato de abrangência inédita sobre quem são as mais de 2.300 mulheres que fazem literatura hoje no Brasil. Com 53 fotografias de Norte a Sul do país, o livro é resultado da movimentação iniciada com uma fotografia na Pagu, escadaria do Estádio do Pacaembu, que reuniu mais de 400 escritoras na primeira edição da Feira do Livro, em São Paulo.

Escritoras reunidas no estádio do Pacaembu, em São Paulo, em 2022.
Foto do livro 'Um Grande Dia para as Escritoras' mostra escritoras reunidas no Estádio do Pacaembu - São Paulo - Armando Prado/Divulgação

A inspiração partiu da clássica fotografia "Um Grande Dia no Harlem", de Art Kane, que registrou 57 jazzistas de peso — Thelonious Monk, Benny Golson e Mary Lou Williams entre eles— em 1958.

Giovana Madalosso, autora de "Suíte Tóquio", idealizadora da fotografia e colunista da Folha, vinha percebendo uma abertura das editoras para publicar mais ficções escritas por mulheres ou livros com temáticas que até pouco tempo não tinham tanto espaço. Ela assina um artigo no livro ao lado de Paula Carvalho, Esmeralda Ribeiro, Sony Ferseck e Deborah Goldemberg.

A decisão de fazer um chamado aberto não foi por acaso. Poderia se classificar como escritora quem já publicou um livro? Quem se sustenta pela literatura? Perguntas difíceis diante das nuances que permeiam o mercado editorial. Apesar do crescente reconhecimento das mulheres no circuito literário, apenas 1% disse arrecadar valores acima de dois salários mínimos ao mês por meio da escrita.

A porcentagem é da pesquisa realizada pela antropóloga Deborah Goldemberg. Os dados colhidos de cerca de 24% das participantes do movimento em 2022 revelam que quase metade delas (48%) começou a escrever entre oito e 15 anos, mas só fez sua primeira publicação —seja em livro, zine ou blog— após os 30 anos de idade. "A grande maioria se especializou ou fez doutorado na área, que dificilmente dá dinheiro", diz Goldemberg, que relaciona os números à falta de confiança.

Aquelas interessadas pela sedução das palavras ao longo dos séculos foram consideradas subversivas, masculinas ou assexuadas —os rótulos morais, então, somavam-se às proibições institucionais, como o acesso negado a bibliotecas, cursos universitários e grupos intelectuais. No Brasil, Clarice Lispector chegou a aconselhar Lygia Fagundes Telles a não sorrir em fotos para ser tratada com seriedade.

Em termos mercadológicos, a pesquisa aponta para uma fragmentação: 42,1% das entrevistadas se autopublicaram. Dentre aquelas que publicaram através de editoras (quase 70%), 56% fizeram financiamento coletivo, firmaram contratos com previsão de edições pagas ou com compromisso de venda.

Os números não estão relacionados à falta de casas editoriais, que, surpreendentemente, ultrapassaram o número de escritoras —embora enfrentem dificuldades ligadas à falência de livrarias e aos baixos índices de leitura no Brasil.

"O mercado editorial é um funil e existe uma distorção da cadeia produtiva. As editoras pequenas poderiam trabalhar em cooperação ou se fundir para baixar o custo individual e operar melhor", afirma Deborah. "Não tem sindicato. Mesmo a lei dos direitos autorais é pouco implementada e poucas sabem o quanto ela é favorável para autores."

Quesito sensível no caso de escritoras indígenas, que trabalham com autoria coletiva. "A palavra indígena não é de autoria única e por vezes é transcrita. Quem sabe das histórias são os mais velhos, nem sempre alfabetizados e que não têm o português como primeira língua", afirma a pesquisadora Sony Ferseck, indígena macuxi e escritora.

"O que tem dado respaldo são bibliotecas públicas e escolas", diz Esmeralda Ribeiro, coordenadora do Quilombhoje e articuladora da foto do quilombo Saracura, na escadaria do Bixiga.

A escritora, que na publicação faz uma carta aberta a Maria Firmina dos Reis, primeira romancista brasileira, refere-se aos editais de governos e instituições, que costumam comprar levas grandes de livros de uma só vez. "Muitos escritos de mulheres periféricas estão na gaveta, visto que publicar com recursos próprios não é possível", lamenta.

Os entraves financeiros para o ofício da escrita foram detalhados por Virginia Woolf em "Um Quarto Só Seu", ainda na primeira metade do século 20. A pesquisa reforça o cenário no Brasil de hoje: 74,5% das entrevistadas afirmou que a literatura não traz receitas significativas, apesar de 27% ser finalista de algum prêmio. "Existe um descolamento entre retorno financeiro e reconhecimento literário", afirma Goldemberg.

Para Paula Carvalho, hoje editora da Tinta-da-China e autora de "Direito à Vagabundagem: As Viagens de Isabelle Eberhardt", a maior diversidade no meio está associada à tradução de obras de autores negros e mulheres por movimentos sociais e coletivos até as cotas universitárias, que aumentaram a diversificação de alunos e professores, consumidores de livros.

"Com o sucesso de autoras como Grada Kilomba e Chimamanda Ngozi, as grandes editoras não têm mais a desculpa da falta de demanda ", diz.

"Um Grande Dia para as Mulheres" ultrapassou a categoria de documento histórico. O grupo de WhatsApp das articuladoras, com mais de 80 mulheres, continua ativo –depois de um ano, mais fotos continuam surgindo e, junto delas, mais encontros entre escritoras.

Um Grande Dia para as Escritoras: Autoras do Brasil Mostram a Cara

  • Preço R$ 98 (176 págs.)
  • Autoria Deborah Goldemberg, Esmeralda Ribeiro, Giovana Madalosso, Paula Carvalho, Sony Ferseck (Org.)
  • Editora Bazar do Tempo
  • Na Feira do Livro Mesa com as autoras no dom. (11), 19h
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