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'O Outro Mundo de Sofia' retoma a maconha no Brasil e discute Cannabis medicinal

Diretor Rapha Erichsen lança novo documentário e amplia o debate que havia feito em 'Ilegal: A Vida Não Espera'

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São Paulo

Em um ano importante para a Cannabis medicinal, com pelo menos dois projetos de lei no Congresso, o diretor Rapha Erichsen entrega ao público o segundo documentário sobre o tema.

Com o título "O Outro Mundo de Sofia", o filme é considerado pelo autor um derivado de "Ilegal: A Vida Não Espera", seu primeiro documentário sobre maconha lançado há nove anos e, na época, muito comentado por discutir um grande tabu social. O filme está disponível no Globoplay.

Cena do documentário 'O Outro Mundo de Sofia', de Rapha Erichsen
Cena do documentário 'O Outro Mundo de Sofia', de Rapha Erichsen - Divulgação

"Com o 'Ilegal', conseguimos sair do senso comum, dar uma pirueta na história", diz Erichsen. "Nem a imprensa queria falar sobre maconha", acrescenta ele, falando sobre a disrupção do documentário de trazer outra visão que não a da guerra às drogas.

Ali, se discute vida, e não morte. O diretor destaca a luta de um grupo de mães que encontrou na Cannabis a única forma de tratamento para seus filhos, pacientes refratários às demais opções convencionais de terapia.

Estamos falando do CBD, ou canabidiol, substância terapêutica derivada da Cannabis, que na época era proibida para importação e comercialização no país. Quem trazia escondido o produto do exterior corria o risco de ser preso. Já as mães que não tinham recursos financeiros recorriam aos traficantes ou plantavam em casa, o que até hoje é proibido.

Produção da Kromaki em parceria com a GNT, "O Outro Mundo de Sofia" agora traz a história de uma dessas mães, a advogada e ativista Margarete Brito, mais conhecida como Guete. Ela é mãe de Sofia, de 13 anos, que nasceu com a síndrome de deficiência de CDKL5, proteína importante para o desenvolvimento do cérebro.

A disfunção genética provoca uma série de crises epilépticas, controláveis apenas com a Cannabis medicinal. Sofia teve os primeiros sintomas aos 35 dias de vida. Com mais delicadeza e poesia do que no primeiro documentário, Erichsen mergulha nesse universo.

"Ninguém sabe o que se passa com Sofia. Muitas vezes, eu tenho dificuldade de perceber até se ela está com alguma dor", conta a mãe. A adolescente não anda, não fala e usa fraldas.

Sofia chegou até essa idade, com uma condição controlada da doença, porque tudo ao seu redor se transformou para que isso fosse possível. Há nove anos, Guete plantava maconha em pequenos vasos no terraço do apartamento onde morava no Rio de Janeiro. Costumava dizer que estava, sim, em "desobediência civil".

Hoje ela é mentora e diretora da Apepi, a organização Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal, entidade sem fins lucrativos com 3.000 associados. Para produzir óleo para tanta gente, a mãe de Sofia conseguiu o que parecia impossível, ao menos no Brasil —ter uma fazenda de maconha para o cultivo e produção dos medicamentos com autorização da Justiça.

Atualmente são 250 associações de pacientes espalhadas pelo país, apenas 11 delas com algum tipo de autorização para funcionamento. A importação dos óleos é uma realidade desde 2015 e a comercialização dos produtos no Brasil foi regulada no fim de 2019 pela Anvisa. É estimado que 187 mil pacientes se tratem com Cannabis no país, segundo a empresa de medição de mercado Kaya Mind.

No filme, o neurocientista Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é o personagem que discute os avanços científicos sobre o poder terapêutico da planta. "O futuro da ciência está no tratamento individualizado", diz ele, lembrando que o ser humano tem receptores para as substâncias da Cannabis espalhados pelo organismo.

Ele fala do sistema batizado de endocanabinoides, que age como um autorregulador do funcionamento das células. Daí, o papel do CBD de equilibrar o sono, baixar a ansiedade e impedir as convulsões, por exemplo. "Para conhecer o oceano não basta olhar na superfície. É preciso mergulhar para entender os mistérios da profundeza."

É isso que acontece em "O Outro Mundo de Sofia". Erichsen amplia a discussão abordando a demonização da planta e o proibicionismo, que levam à morte e ao encarceramento de jovens negros e periféricos. "No 'Ilegal', falamos em Cannabis medicinal, porque ninguém queria discutir maconha. Já se passaram quase dez anos e isso já conseguimos", diz ele. "Por isso demos outro passo."

Ele ainda aborda a necessidade do acesso democrático ao CBD. Um vidro de 30 mililitros do produto na farmácia pode chegar a R$ 2.100. "Sempre me emociono e me sensibilizo com as mães, que heroicamente iniciaram o plantio e o fabrico do óleo. Mas o Brasil tem milhões de pessoas que poderiam estar se beneficiando, se as iniciativas isoladas como as delas virassem políticas públicas", diz Julita Lamgruber, coordenadora do Cesec, o Centro de Estudo de Segurança e Cidadania, no filme.

"Não podemos continuar nessa toada, em que a gente se submete ao conservadorismo muito presente na sociedade", afirma ela.

O Outro Mundo de Sofia

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