Quem é Gregório Gruber, que pintou São Paulo de ruas vazias antes da pandemia

Em mostra na galeria São Paulo Flutuante, obras do artista misturam as luzes e cores do lusco-fusco à paisagem urbana

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Caio Sens
São Paulo

Ruas com poucos carros, calçadas esvaziadas e espaços públicos restritos revelaram uma metrópole diferente daquela à qual estávamos acostumados. O cenário lembra medidas de prevenção contra o coronavírus em São Paulo.

Obra de Gregório Gruber. Uma pintura das ruas de São Paulo ao anoitecer. Ao fundo se vê o relógio da estação da Luz.
Pintura de Gregório Gruber realizada 2019 - Romulo Fialdini/Divulgação

Nas pinturas do artista plástico Gregório Gruber, entretanto, essa paisagem pouco habitada já era uma constante havia décadas. Em exposição na galeria São Paulo Flutuante, com organização de Manu Maltez e Regina Boni, estão mais de 40 obras produzidas pelo artista.

A mostra marca um retorno de Gruber ao circuito, depois de um hiato de dez anos sem expor sua produção. Grande parte do material é fruto justamente dos últimos anos, durante a reclusão imposta pela crise sanitária. Outras peças, no entanto, datam das décadas anteriores.

Nascido em Santos, no litoral paulista, Gruber se mudou com a família ainda na infância para a capital. Por isso, as paisagens urbanas de suas obras pertencem a um mundo que esteve muito próximo dele. Um mundo virando a esquina. "Eu convivia com todas essa essas paisagens que habitam os meus quadros já na época do ginásio, estudando na praça da República", diz o artista.

No documentário "Gregório no Centro", Gruber afirma que seu pai –o também artista plástico Mario Gruber– elogiava a arquitetura da cidade e se perguntava quando alguém ia se destacar pintando aquelas paisagens. A ideia estimulou Gruber a enfrentar a questão. Seus quadros retratam prédios marcantes de São Paulo ou então ruas e vias menos reconhecíveis, ainda assim, familiares.

Na cidade esvaziada, quem ganha protagonismo são os prédios do centro de São Paulo –do neoclássico ao art déco. As paisagens urbanas são via de regra ambientadas no lusco-fusco, com as cores que iluminam o céu metropolitano nesses horários.

"Na minha obra a cidade fica um pouco vazia, tanto que depois da pandemia todo mundo falou ‘você previu como ia ficar a paisagem urbana’", diz Gruber, no documentário. "Isso de se concentrar na paisagem e tirar o carro é um pouco proposital, para mostrar a arquitetura pura."

Segundo o artista, não é uma cidade inóspita, mas uma interpretação pessoal de um lugar psicológico. "Eu identifico nas minhas obras uma paz, uma sensação que a gente tem durante o dia, de algo onírico, do mundo dos sonhos", diz o artista.

Na pandemia, intimidade e a solidão foram assuntos recorrentes. Enquanto nos jornais do período pipocavam imagens de ruas e avenidas desertas ao redor do mundo, um registro do fotógrafo Victor Moriyama se popularizou por outro motivo.

Ao mostrar a fachada de um prédio repleta de silhuetas nas janelas dos apartamentos, —cena que parecia tirada de um filme de Jacques Tati— Moriyama dava uma dica de onde estavam as pessoas que evitavam a cidade. Na mostra de Gruber, essa relação entre o ambiente interno e o externo se dá no contraponto oferecido por outras obras na galeria.

Intercaladas entre os quadros dos edifícios, estão personagens, geralmente nus, no ambiente íntimo dos pequenos cômodos de apartamento. Justapostos, os dois temas —a cidade e as casas— formam o retrato de uma cidade bastante pessoal. Nesse aspecto, há uma semelhança com os quartos e esquinas de Edward Hopper.

Esculturas, de temas distantes do restante da exposição, se somam a assemblages, que transportam a cidade para novas perspectivas, no meio do caminho entre a bidimensionalidade da pintura e a volumetria arquitetônica.

No mezanino da galeria, tanto pela escala quanto pela presença abundante de pessoas, uma obra se destaca. É o único quadro onde a arquitetura representada recebe uma pequena multidão de personagens. Nele, o estádio do Pacaembu está cercado de gente, em atividades diversas, ocupando o espaço e interagindo com ele. "Me inspirei em ‘Uma Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte’, de Georges Seurat", diz Gruber.

O urbanista dinamarquês Jan Gehl defende em seu livro "Cidades para Pessoas" que bons centros urbanos são aqueles que convidam seus habitantes a ocuparem seus espaços. "Uma boa cidade é igual a uma boa festa", diz o autor em certo ponto da obra.

Gruber –talvez em contraponto a Gehl– traz por meio de sua arte outra perspectiva. Atesta que a mesma São Paulo que permite momentos de encontro e festa tem lugar para a contemplação de belezas mais silenciosas e sonolentas, com cores próprias.

Gregório Gruber

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