Novo livro de Gay Talese explora ruínas de Manhattan e revela segredos de escrita

Aos 91 anos, lendário escritor do novo jornalismo lança 'Bartleby and Me', que relembra seu ensaio clássico sobre Frank Sinatra

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Alexandra Jacobs
The New York Times

Gay Talese tem um tique. Eu quero tirar isso do caminho porque, em geral, eu tenho uma tremenda admiração por esse homem —essa eminência elegante do bom e velho novo jornalismo, que é tanto um marco vivo do distrito nova-iorquino de Manhattan quanto o seu próprio melhor personagem.

É um tique de escritor, o hábito retrô de se referir às mulheres pela cor do cabelo, mas como substantivo em vez de adjetivo. "Uma morena esbelta e atraente." "Uma loira da cor do mel em um rabo de cavalo." "Uma morena elegante e esguia." "Uma morena esperta e fortemente perfumada em um vestido de coquetel vermelho."

Gay Talese de chapéu fedora branco e cachecol bege
O escritor Gay Talese em Nova York, há cinco anos - Nathan Bajar/New York Times

Pelo menos as raposas prateadas, das quais o elegante Talese, de 91 anos, é um exemplo primordial, têm a cortesia de serem comparadas a animais inteligentes.

Se se sentir ocasionalmente como se estivesse preso numa história em quadrinhos de Peter Arno é o preço da entrada para uma nova obra de Talese, me inscreva. Mas apenas uma parte de seu último livro, "Bartleby and Me", das quais as citações acima são extraídas, pode ser justamente chamada de nova.

Essa é a terceira parte, a história de Nicholas Bartha, o emigrante romeno e médico que explodiu sua mansão de vários milhões de dólares no Upper East Side em 2006, tirando a própria vida no processo, em vez de vender a propriedade e deixar que sua ex-mulher ficasse com o dinheiro, como um juiz havia ordenado.

O que aconteceu após a remoção dos 408 mil quilos de escombros resultantes envolve "uma loira russa glamorosa de 40 anos chamada Janna Bullock", a construtora imobiliária e figura da Page Six, a mais famosa coluna de fofocas da imprensa americana, a quem Talese, também morador do Upper East Side, se refere, de forma mais original, como "a condessa das revendas". É uma trama inesquecível, e bem ali em seu próprio quintal.

Batizado em homenagem ao conto clássico de Herman Melville, "Bartleby and Me" alude tanto ao próprio status de Talese como um autodenominado "velho escrevente", quanto às figuras mais humildes que mais capturaram seu interesse ao longo de uma longa carreira —porteiros, motoristas, cozinheiros, balconistas, faxineiros, policiais, gatos de rua, o último participante de um desfile.

(Este é um escritor que parece montar arquivos biográficos até para pedaços de calcário.)

Jack Vergara —um experiente servidor no vizinho Links Club que percebeu o cheiro de gás emanando da maldita mansão, ligou para a Con Ed e insistiu que apenas um café da manhã frio fosse servido aos membros do clube naquela manhã— é o tipo de "personagem secundário" indelével em que Talese se especializa.

De fato, a indiferença relativa de Talese em relação à celebridade é o que garantiu a sua própria. Muito antes do "quiet quitting" havia a frase de Bartleby —"eu preferiria não fazer isso".

Essa é a essência da resposta inicial de Talese a Harold Hayes, o editor da então poderosa Esquire, quando foi pedido que escrevesse o perfil que se tornaria talvez o mais venerado na história das revistas, "Frank Sinatra Está com um Resfriado", em 1966.

O artigo inspiraria inúmeros talentos menores a perseguir qualquer assunto famoso que não conseguissem abordar por 40 minutos durante uma salada e transformar o resultado em uma narrativa floreada para as revistas.

A segunda parte de "Bartleby and Me" é a história por trás da história de Sinatra, e até a história por trás da história por trás da história de Sinatra —um gráfico das anotações de Talese publicadas na mesma edição, em que o autor xinga e expressa sua desconfiança a Hayes.

São reveladas algumas ferramentas e truques do ofício de Talese, entre eles os quadrados de papelão, resgatados de suas camisas lavadas, que ele usa para fazer anotações, algumas vezes na privacidade de um banheiro.

(O hábito de Talese de negligenciar o uso de um gravador, junto com interesses especiais que poderiam ser chamados de prurientes —como casas de massagem e voyeurismo em motéis— levou alguns vigilantes do jornalismo a rosnar.)

Outro tique mais cativante —seu método conhecido de relacionar indivíduos díspares em uma espécie de revezamento capítulo a capítulo.

A primeira parte é sobre o tempo que Talese passou no The New York Times, onde um repórter mais experiente uma vez o aconselhou —"rapaz, nunca entreviste alguém pelo telefone se você puder evitar". (Comparado com emails, mensagens de texto e conversas no Gchat, é claro, o telefone agora parece um relicário sagrado.)

Renomado por seu livro épico sobre o Times e seus líderes, "O Reino e o Poder", de 1969, um texto que é base para os estudos de mídia, Talese aqui descreve seus subordinados e os menos reconhecidos —os operadores de linotipo e impressores, muitos deles "mudos", que se reuniam para beber no Gough's Chop House usando chapéus de quatro abas verdadeiramente manchados de tinta; e os copidesques, aqueles "indivíduos reservados, pensativos e ponderados".

Ele se concentra em um deles, Alden Whitman, que se tornou um redator-chefe de obituários —ele se intitulava "o remador feliz no Estige"—, que Talese também retratou para a Esquire, com consideravelmente mais acesso do que Sinatra permitiria.

O artigo fez com que Whitman se sentasse ao lado de Johnny Carson no The Tonight Show. Esses eram tempos diferentes.

Talese tentou e, segundo muitos, falhou na escrita de uma memória direta antes, especialmente com o livro "A Vida de um Escritor", de 2006. "Bartleby and Me" é mais uma caminhada, onde ele parece desafiar a forma ao adornar alguns de seus grandes sucessos e então acrescentar uma nova história grotesca.

O escritor fez do seu jeito e, se pode imaginar, ele e o fantasma de Sinatra cantando e dançando juntos, dois marinheiros satisfeitos na cidade.

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