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Estreia de Gabriele Leite enfrenta o topo do repertório do violão

Álbum de estreia da violonista toca composições de Sérgio Assad, Villa-Lobos e referencia Julian Bream

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Territórios

Ao lançar o LP "70’s", em 1973, o grande Julian Bream (1933-2020) deu um passo enorme para o desenvolvimento da linguagem do violão clássico. Não apenas pelo repertório novo que trazia, mas, principalmente, por oferecer uma sonoridade mágica que, desde então, passou a ser meta e destino do instrumento. Uma composição presente no disco, "Cinco Bagatelas", de William Walton, sintetizou tudo isso a ponto de se tornar canônica apenas poucas horas depois que o disco chegasse às lojas.

É justamente com essa obra que a brasileira Gabriele Leite, de 24 anos, abre "Territórios", seu álbum de estreia. Lançado nas plataformas de streaming pelo selo Rocinante, o disco terá igualmente uma versão em vinil. De fato, sua estrutura reflete a dos LPs históricos da era de ouro do violão no século 20.

A violonista Gabriele Leite, que lança o álbum 'Territórios'
A violonista Gabriele Leite, que lança o álbum 'Territórios' - Diego Bresani/Divulgação

Walton tinha 69 anos quando escreveu as "Bagatelas", e esta foi a sua única composição para violão. Gabriele ataca a obra sem medo, como tem de ser. Suas articulações são rigorosas, os ligados claros, as passagens tecnicamente difíceis saem impecáveis, e o som —o DNA de cada músico— prende a atenção do início ao fim.

Segue-se um marco do violão brasileiro, a "Ritmata" de Edino Krieger (1928-2022). Composta em 1974, foi gravada diversas vezes e muito estudada na academia. Gabriele mostra que a precisão rítmica e as metamorfoses entre a atonalidade das alturas e a pura percussividade não precisam recusar a leveza, e que —tal como apontara Béla Bartók (1881-1945)— a escrita vanguardística pode se manter na vizinhança segura das raízes populares: a violonista recusa brutalidades e revela elementos de um improvável choro oculto no cerne da obra.

O lado B do vinil real ou virtual abre com mais uma peça plenamente aclimatada no repertório violonístico desde a sua publicação em 1999: a "Sonata" (em três movimentos) de Sérgio Assad.

Se o número de encomendas de partituras for um critério para avaliar-se a grandeza de um compositor; se essas encomendas forem feitas por solistas e instituições de ponta, em diversos continentes ao redor do mundo; se essas peças entram no repertório, são editadas, gravadas e regravadas; se são incluídas nos programas dos principais intérpretes do instrumento; e se são escolhidas como peças de confronto nos mais badalados concursos internacionais, então talvez Assad seja, neste momento, o mais importante compositor brasileiro em atividade.

Gabriele vai montando o dominó de frases e estruturas modulares proposto por Assad com calma e maturidade, sem se afobar, e no segundo movimento extrai um som espetacular, passa dos harmônicos para o som natural sem perder corpo, usa as ressonâncias com maestria, faz campanellas e ligados vibrarem sustentados.

O disco fecha com a "Melodia Sentimental" de Villa-Lobos, curiosamente a única obra não original para violão —e a com mais cara de música popular em todo o trabalho. Em todas as faixas ela utiliza um violão de 1995 construído pelo luthier inglês Paul Fischer.

Mulher negra vinda do interior de São Paulo, premiada desde adolescente em todos os turnos de concursos brasileiros de violão, ela passou por projetos sociais como o Guri, por escolas como Conservatório de Tatuí, Unesp e Manhattan School de Nova York (com apoio da Cultura Artística). Entre os seus professores no Brasil cabe citar Josiane Gonçalves, Edson Lopes e Paulo Martelli.

Atualmente ela segue em Nova York, cursando o doutorado em performance na Stony Brook University, onde é orientada pelo renomado violonista e compositor brasileiro João Luiz Rezende Lopes, que também assina a direção musical de "Territórios".

Enfrentar os standards do repertório significa ariscar-se, trabalhar os dilemas interpretativos, comparar-se aos melhores. É essa rota direta, sem desvios, que Gabriele Leite escolheu para si.

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