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'O Sequestro do Voo 375' reconstrói rapto de avião com medo de tomar lado

Filme de Marcus Baldini desenha incidente histórico com bom olho ao sensacional, mas termina refém da própria urgência

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O Sequestro do Voo 375

  • Quando Estreia nesta quinta (7), nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Danilo Grangheia, César Mello e Jorge Paz
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Marcus Baldini

O Brasil tem um problema com filmes de gênero? Essa pergunta ronda o meio de tempos em tempos, mas ganhou fôlego agora com a crise do cinema nacional nas bilheterias. Quando nossas produções mais comerciais sofrem para fazer 1 milhão de espectadores, é fácil dizer que não sabemos o básico —mesmo que a afirmação em si seja absurda.

"O Sequestro do Voo 375" chega aos cinemas brasileiros como mais uma tentativa de responder essa questão. Começa que é um filme de ação, gênero que com frequência ensaia um resgate por aqui. Além disso, é baseado em fatos —uma constante em longas nacionais dos últimos tempos— e conta com bom orçamento para recriar seus eventos.

Cena do filme "O Sequestro do Voo 375", de Marcus Baldini
Cena do filme 'O Sequestro do Voo 375', de Marcus Baldini - Divulgação

A história, no caso, é o famoso sequestro de um avião da Vasp em 1988, em que se tentou derrubar a aeronave no Palácio do Planalto em Brasília. O ato terminaria frustrado, mas com sua cota de tragédia —o copiloto do voo foi assassinado. O único autor do crime, Raimundo Nonato, morreu pouco depois do atentado ser evitado.

O caso fascina pelas particularidades. Nonato, por exemplo, era movido apenas pela ira que sentia do governo de José Sarney, que havia lhe custado o emprego na grave crise econômica. O avião, por sua vez, pousou após o piloto decidir por uma manobra arriscada, um giro em 360°, para atordoar o sequestrador. O movimento até hoje tem sua legitimidade debatida e não reconhecida por oficiais.

Entre a verdade e a ficção, o filme dirigido por Marcus Baldini opta pela lenda como caminho para o entretenimento. Uma decisão que faz sentido na perspectiva geral de "O Sequestro do Voo 375", que busca o tom de urgência sempre que possível. Essa urgência é bem próxima do cinema americano —tudo é encenado com gravidade, mesmo antes de Nonato sacar o revólver e ameaçar o primeiro comissário de bordo.

A estratégia é boa, bem como a de buscar alguma afinidade entre os principais nomes do caso. Além de Nonato, vivido com intensidade por Jorge Paz, o roteiro de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque dedica bastante tempo a Murilo, piloto principal do avião e interpretado por Danilo Grangheia.

O longa destaca em ambos o drama familiar, com situações não resolvidas com os filhos, e usa isso dentro da situação do atentado. Há espaço ainda para a operadora de voo, papel de Roberta Gualda, que aos poucos se mostra a única capaz de negociar com Nonato.

Percebe-se aí o quanto a produção acessa Nonato por terceiros, se juntando aos negociadores para tentar entender sua figura. Os poucos momentos que exploram a vida do sequestrador surgem para contextualizar a ação, sobretudo no início. Essas cenas decoram o filme da mesma forma que os detalhes de época, como o fumo no avião ou os comentários dos comissários sobre a novela "Vale Tudo".

No fundo, isso acontece porque "O Sequestro do Voo 375" está todo investido no seu registro funcional da história. Não é de todo mal. Enquanto o avião sobrevoa o país sem destino certo, a tensão acumulada mantém o filme nos eixos. A narrativa trabalha para informar a ação, que por sua vez segura o público na trama.

Mas essa estrutura precisa estar a serviço de algo, ou se esfacela no primeiro momento em que o suspense arrega. O que acontece na reta final, quando o avião pousa —em um clímax cheio de acrobacias e bocas abertas— e as autoridades precisam resolver a situação de Nonato com os reféns.

O filme a partir daí despenca à procura de um norte, da mesma forma que Murilo duela com o sequestrador para evitar novas mortes. Ao mesmo tempo, dá para acompanhar a ação com algum conforto, até porque "O Sequestro do Voo 375" é desenhado na neutralidade. As peças estão todas lá, bem organizadas e sem ofender ninguém —mesmo a omissão de Sarney na trama pode passar despercebida.

Constrangedor mesmo só os letreiros finais. Depois de informar o destino dos envolvidos na história, se escreve na tela preta que revistas sobre o caso foram encontradas nos esconderijos de Osama Bin Laden. A partir disso, a produção diz que o sequestro do avião da Vasp seria uma das referências dos terroristas responsáveis pelo 11 de setembro.

Aí sim temos um problema. Se orgulhar por se envolver na tragédia dos outros é de um viralatismo inconcebível.

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